Atrai-me o que é cantabile em tudo, aquilo a que Leonard Bernstein chamou nas Harvard Lectures “A Poesia da Terra”, referindo-se à tonalidade, que em música está presente mesmo na música atonal. Em literatura, seria o sentido; na filosofia, a racionalidade.
É isto que guia os meus passos na direcção do Healy Hall, o edifício central da Universidade de Georgetown, sua alma mater, e aí na direcção de Gaston Hall. Este é a “Jóia da Coroa” da Universidade, um auditório imponente de 750 lugares, que tem recebido inúmeros líderes mundiais – ainda há poucos dias este espaço se encheu por completo de público que quis ouvir o Presidente Obama falar sobre a situação económica.
Hoje é o Coro de Concertos da Universidade de Georgetown que apresenta, como todos os anos, o seu Concerto Anual de Primavera, festejando Abril, o Mês Nacional da Poesia. Dirigido por C. Paul Heins, o Coro vai interpretar um programa de adaptações musicais de poemas em língua inglesa desde 1500 até aos nossos dias.
Notes Inspiring, o título do Concerto retoma versos do poema de John Dryden “A Song for St. Cecilia’s Day” (1687). Esta canção, dedicada à santa padroeira da música, inspirou a composição de D. E. Wagner And Music Shall Untune the Sky (2005), uma adaptação livre de 24 dos 63 versos originais do poema de Dryden.
Seguem-se Weep O Mine Eyes, de Halsey Stevens sobre poema provavelmente de John Bennet, e duas canções de William Blake musicadas por David Dickau em 2007, Two Blake Songs (“Piping Down the Valley Wild” e “Laughing Song”).
O programa propõe ainda uma adaptação do poema dito a Alice por Humpty Dumpty no cap. 6 de Through the Looking-glass de Lewis Carroll, um texto surrealista avant la lettre questionando a temática da autoridade - The Little Fishes of the Sea de Robert Convery (2008). Do mesmo compositor ouviremos ainda uma estreia mundial neste Concerto, Dream-Dove (2008-09).
Outras propostas incluem Three Choruses from e. e. cummings (1960), música de Peter Shickele, e “Harlem Night Song”, um dos três poemas de Langston Hughes musicados pela compositora americana Gwyneth Walker em Harlem Songs (2001). A composição fica no ouvido com elementos dos blues, recriando a atmosfera nocturna do Harlem.
Todo o concerto é acompanhado pela pianista Jennifer Jackson e encerra com uma composição de Ralph Vaughan Williams, Toward the Unknown Region (1906), sobre poesia de Walt Whitman, Whispers of Heavenly Death. No número de despedida, Georgetown Alma Mater, os alunos do coro que estão na assistência juntam-se ao grupo no palco, vestido a rigor. O espaço festivo e solene de Gaston Hall está em perfeita harmonia com as composições que fazem a moldura do Concerto, And Music Shall Untune the Sky e Toward the Unknown Region, e em singular contraste com aquelas que são as minhas composições preferidas deste programa, The Little Fishes of the Sea e a Harlem Song – e também destas harmonias e contrastes se faz a riqueza de um programa de música e poesia inesquecível em Georgetown.
Conversámos com uma das alunas do Coro, Emily Miller, uma estudante do 2º ano (“Sophomore”) que está a fazer o “College”, um “Major” em Espanhol e “Premed”. Esta futura médica participou, só neste ano lectivo, em várias produções teatrais e espectáculos do Coro de Concertos, de que destaca a sua estreia teatral em Georgetown na comédia de Caldéron de la Barca No hay burlas con el amor (Love Is no Laughing Matter), sob direcção de Barbara Mujica, na qual desempenhou o papel feminino principal. Dos espectáculos do Coro, Emily diz que aqueles que mais vivamente a marcaram foram o Concerto dado durante a Missa no Estádio Nacional por ocasião da visita do Papa Bento XVI em Abril de 2008 a Washington, D.C., e o Concerto dado em Abril de 2009 na American Judicature Society em honra de Janet Reno, “Attorney General” (Procuradora Geral) da anterior administração. Fala ainda de quanto gostou de participar no espectáculo do Coro em Fevereiro de 2009 no Gaston Hall, dedicado a musicais da Broadway, A Tribute to Broadway. Quando lhe pergunto a razão de toda esta actividade extra-curricular, Emily Miller responde com uma simplicidade e sorriso desarmantes: “For fun!”, “Pelo prazer que me dá, e para experimentar algo de diferente, que alargue os meus horizontes – muitas das peças escolhidas pelo Director do Coro, ouvi-as pela primeira vez.”
Música e poesia, poesia e música – quem escolhe quem e porquê? Não há música sem pausas, sem silêncio, e há muitas coisas que não sei ainda, talvez as mais belas, por serem aquelas na direcção das quais escrevo e me interrogo.
Georgetown, 17 de Maio de 2009
Ana Maria Delgado
Cortesia de PNET
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