Com lançamento previsto para o próximo dia 30, num projeto capitaneado pelo Instituto Moreira Salles, a poesia inaugural de Carlos Drummond de Andrade é resgatada em edição especial.
Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) pensou em destruir os poemas que o revelariam para o País. Em carta a Mário de Andrade, em 1926, escreveu: ``Não me sinto capaz de grandes coisas, por isso também não sinto dificuldade em renunciar a executá-las. E não me queira mal, se um dia eu te escrever que rasguei o meu caderno de versos``.
Com a ternura habitual, o amigo passou-lhe um pito. ``Isso você não tem direito de fazer e seria covardia. Você pode ficar pratiquíssimo na vida se quiser, porém não tem direito de rasgar o que já não é mais só seu, que você mostrou pros amigos e eles gostaram. (...) Eu quero uma cópia de todos os seus versos pra mim. Quero e exijo, é claro``, disse Mário.
Quatro anos depois, em maio de 1930, saiu Alguma Poesia, o primeiro livro de Drummond, aberto com o Poema de Sete Faces (``Quando nasci, um anjo torto/ desses que vivem na sombra/ disse: Vai, Carlos! Ser gauche na vida``).
Trazia ainda No Meio do Caminho, Quadrilha (``João amava Teresa que amava Raimundo``) e outros 51 poemas.
Pelos 80 anos da assombrosa estreia, o Instituto Moreira Salles lança, no dia 30, Alguma Poesia: O Livro em Seu Tempo, edição especial organizada pelo poeta Eucanaã Ferraz.
O volume traz o fac-símile do exemplar de Alguma Poesia que pertenceu a Drummond, o que lhe empresta um luxo adicional: anotações à mão do poeta, alterando títulos e versos ou suprimindo palavras.
Descobrimos, por exemplo, que, na versão original de Quadrilha, J. Pinto Fernandes, aquele ``que não tinha entrado na história``, se chamava Brederodes -o nome foi riscado por Drummond, que escreveu ao lado o do substituto.
Quando o livro foi lançado, o poeta de Itabira tinha 27 anos. Era já um jornalista experimentado (começara com 16) e publicara poemas em periódicos literários, inclusive na Revista de Antropofagia, mas, por rigor excessivo ou falta de oportunidade e de grana, alentou por dez anos sua estreia.
A esclarecedora apresentação de Eucanaã disseca a construção de Alguma Poesia no período. Salta aos olhos o papel crucial do autor de Pauliceia Desvairada, espécie de baliza modernista de Drummond, que lhe dedicou a obra (``A Mário de Andrade, meu amigo``).
Ao comentar, em 1924, poemas que Drummond lhe enviara, Mário elogia o que achou ser transgressão gramatical no primeiro verso de Nota Social (``O poeta chega na estação``): O mineiro responde que na verdade fora um descuido [o correto seria ``chega à estação``] e que vai corrigi-lo: ``Ainda não posso compreender os seus curiosos excessos. Aceitar tudo que vem do povo é uma tolice que nos leva ao regionalismo``.
Mário dá-lhe uma bronca (``Quem como você mostrou a coragem de reconhecer a evolução das artes até a atualização delas põe-se com isso em manifesta contradição consigo mesmo``), Drummond então capitula. Pede, literalmente, perdão e mantém o ``na estação``.
O autor pagou do seu bolso, em várias prestações, a primeira edição, impressa na gráfica do Minas Gerais, órgão oficial do Estado do qual era redator. Alguma Poesia saiu pela Pindorama, uma pequena editora de autor (Eduardo Frieiro).
As resenhas na mídia pelo País foram em geral consagradoras. Bandeira apontou que ``ironia e ternura agem (...) como um jogo automático de alavancas de estabilização``. Mas houve quem desancasse, como Medeiros de Albuquerque (``Bonito, bem impresso. Mas oco. Não tem nada dentro``).
A história mostrou que oca era a crítica. ``É incrível o que ele conseguiu já no primeiro livro. Nem João Cabral nem Vinicius chegaram ao volume e à qualidade de Drummond desde a estreia``, afirma Eucanaã. (Fabio Victor, da Folhapress)
Cortesia de O Povo Online
Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) pensou em destruir os poemas que o revelariam para o País. Em carta a Mário de Andrade, em 1926, escreveu: ``Não me sinto capaz de grandes coisas, por isso também não sinto dificuldade em renunciar a executá-las. E não me queira mal, se um dia eu te escrever que rasguei o meu caderno de versos``.
Com a ternura habitual, o amigo passou-lhe um pito. ``Isso você não tem direito de fazer e seria covardia. Você pode ficar pratiquíssimo na vida se quiser, porém não tem direito de rasgar o que já não é mais só seu, que você mostrou pros amigos e eles gostaram. (...) Eu quero uma cópia de todos os seus versos pra mim. Quero e exijo, é claro``, disse Mário.
Quatro anos depois, em maio de 1930, saiu Alguma Poesia, o primeiro livro de Drummond, aberto com o Poema de Sete Faces (``Quando nasci, um anjo torto/ desses que vivem na sombra/ disse: Vai, Carlos! Ser gauche na vida``).
Trazia ainda No Meio do Caminho, Quadrilha (``João amava Teresa que amava Raimundo``) e outros 51 poemas.
Pelos 80 anos da assombrosa estreia, o Instituto Moreira Salles lança, no dia 30, Alguma Poesia: O Livro em Seu Tempo, edição especial organizada pelo poeta Eucanaã Ferraz.
O volume traz o fac-símile do exemplar de Alguma Poesia que pertenceu a Drummond, o que lhe empresta um luxo adicional: anotações à mão do poeta, alterando títulos e versos ou suprimindo palavras.
Descobrimos, por exemplo, que, na versão original de Quadrilha, J. Pinto Fernandes, aquele ``que não tinha entrado na história``, se chamava Brederodes -o nome foi riscado por Drummond, que escreveu ao lado o do substituto.
Quando o livro foi lançado, o poeta de Itabira tinha 27 anos. Era já um jornalista experimentado (começara com 16) e publicara poemas em periódicos literários, inclusive na Revista de Antropofagia, mas, por rigor excessivo ou falta de oportunidade e de grana, alentou por dez anos sua estreia.
A esclarecedora apresentação de Eucanaã disseca a construção de Alguma Poesia no período. Salta aos olhos o papel crucial do autor de Pauliceia Desvairada, espécie de baliza modernista de Drummond, que lhe dedicou a obra (``A Mário de Andrade, meu amigo``).
Ao comentar, em 1924, poemas que Drummond lhe enviara, Mário elogia o que achou ser transgressão gramatical no primeiro verso de Nota Social (``O poeta chega na estação``): O mineiro responde que na verdade fora um descuido [o correto seria ``chega à estação``] e que vai corrigi-lo: ``Ainda não posso compreender os seus curiosos excessos. Aceitar tudo que vem do povo é uma tolice que nos leva ao regionalismo``.
Mário dá-lhe uma bronca (``Quem como você mostrou a coragem de reconhecer a evolução das artes até a atualização delas põe-se com isso em manifesta contradição consigo mesmo``), Drummond então capitula. Pede, literalmente, perdão e mantém o ``na estação``.
O autor pagou do seu bolso, em várias prestações, a primeira edição, impressa na gráfica do Minas Gerais, órgão oficial do Estado do qual era redator. Alguma Poesia saiu pela Pindorama, uma pequena editora de autor (Eduardo Frieiro).
As resenhas na mídia pelo País foram em geral consagradoras. Bandeira apontou que ``ironia e ternura agem (...) como um jogo automático de alavancas de estabilização``. Mas houve quem desancasse, como Medeiros de Albuquerque (``Bonito, bem impresso. Mas oco. Não tem nada dentro``).
A história mostrou que oca era a crítica. ``É incrível o que ele conseguiu já no primeiro livro. Nem João Cabral nem Vinicius chegaram ao volume e à qualidade de Drummond desde a estreia``, afirma Eucanaã. (Fabio Victor, da Folhapress)
Cortesia de O Povo Online
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