A atribuir-lhe uma forma, seria espiralada, não do ponto de vista decorativo, mas do labirinto, caminho que o visitante transporta em si como se penetrasse numa realidade mitológica. "Correspondências", que hoje se inaugura, às 18.30, na Fundação Arpad Szenes-Vieira da Silva, a partir de O Castelo Surrealista (1984), de Mário Cesariny, é um estar dentro da amizade de inteligência e invenção entre os três artistas, um estar perto da admiração e do afecto que cultivaram em momentos singulares como a prisão do poeta em Fresnes ou a morte de Arpad.
"O Castelo Surrealista, de Mário Cesariny, é um misto de devaneio com historiografia, passando-se intermitentemente de um estado a outro" - diz Marina Bairrão Ruivo, directora da Fundação Arpad/Vieira da Silva, cujos 100 anos do nascimento se comemoram sexta-feira, 13. A partir do trabalho do Centro de Documentação, em parceria com Sandra Brás Santos, construiu-se este belo labirinto poético que pretende ser uma visão sobre a dupla Vieira-Arpad a partir de correspondências que marcaram a "relação firmada pela amizade e pelas afinidades electivas". Para além da vertente documental (cadernos são notáveis), a que Cesariny se dedicou durante 20 anos, são apresentadas obras referidas em O Castelo Surrealista, exemplificativas dos laços comunicantes, sobretudo do período 1930-1940.
Ao projecto juntou-se a Fundação EDP, que patrocinou as mais importantes retrospectivas de Cesariny, organizadas por João Pinharanda que, com Marina Bairrão Ruivo, assume o comissariado de Correspondências: no catálogo escrevem textos ao lado de José Manuel dos Santos. Nesta Fundação inaugura-se, entretanto, dia 11, Couples, uma mostra de desenhos de Arpad, que se prolonga até 28 de Setembro.
Forte participação na iniciativa tem ainda a Fundação Cupertino de Miranda - Centro de Estudos do Surrealismo, de Vila Nova de Famalicão (Perfecto Cuadrado e António Gonçalves), onde está depositado o espólio documental do poeta, parte significativa da sua obra artística e toda a correspondência.
É a Arpad, no uso das tonalidades pastel e da organização em camadas horizontais, que Cesariny deve muito sobretudo do ponto de vista formal, em particular nos períodos inicial e final. As Linhas de Água (anos 80) relembram, porém, o Lapa de Lagos.
Há, no entanto, com Vieira um diálogo alquímico, "do princípio do mundo e até ao fim do mundo", evidente nas palavras e na interpretação, bem como nas cartas. É na tradição da escrita em imagens, nessa espécie de mudez e palavras tão poucas de Vieira que a relação com Cesariny se desenvolve como uma espécie de representação do invisível. Quando falam dos gatos, da cidade mágica - Cidade Queimada de Cesariny -, do valor orgânico ou simbólico das formas, disto ou daquilo, os artistas caminham sempre sobre a terra do amor, o perigo e as penas.
'Correspondências' inaugura-se hoje. A exposição na Fundação Vieira da Silva fica patente até 4 de Outubro
Cortesia de DN
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