O «único verdadeiro simbolista da literatura portuguesa e, em absoluto, um dos maiores intérpretes do Simbolismo europeu», nas palavras de Barbara Spaggiari, teve como pai Francisco António de Almeida Pessanha, um estudante de Direito (mais tarde juiz), e como mãe uma criada, Maria do Espírito Santo Duarte Nunes Pereira. Será significativo referir que C. Pessanha nasce no ano da morte de Baudelaire, que, dez anos antes, com a sua «teoria das correspondências», havia lançado as bases do simbolismo francês na obra Les Fleurs du Mal.
Em 1883 iniciou os seus estudos em Direito, na Universidade do Coimbra, onde veio a tomar contacto com as novas ideias literárias, originárias de França, com expressão nas revistas Boémia Nova e Os Insubmissos. Datam dessa época os seus primeiros trabalhos literários, de pouca repercussão. Em 1890 António Nobre, Alberto de Oliveira, Júlio e Raul Brandão formam no Porto o grupo dos «Nefelibatas», ao qual Eugénio de Castro (que publica nesse ano Oaristos, introduzindo o Simbolismo, como escola, em Portugal) e Pessanha aderem momentaneamente. As adesões deste último aos movimentos culturais da época são, aliás, sempre pouco evidentes, atribuindo-se-lhe várias razões para tal procedimento: insegurança, orgulho, apatia e tendência para o isolamento. Já então Pessanha (de constituição física débil, por natureza) se ressentia dos anos de boémia vividos em Coimbra, onde o absinto era a sua bebida favorita e onde várias crises nervosas o haviam abatido. Em 1890, também, a Grã-Bretanha impõe o Ultimatum a Portugal.
Em 1891 termina o seu curso. No ano seguinte é publicado em Paris o Só de António Nobre. Pessanha encontra-se então em Trás-os-Montes, exercendo advocacia, donde partirá, no ano seguinte, acompanhado de seu primo Alberto Osório de Castro, para Óbidos. Decidiu-se então, devido à desilusão que a vida na província lhe havia provocado e às humilhações sofridas por Portugal no campo político, a procurar uma nova vida no Oriente, para onde concorreu a uma vaga de professor no Liceu de Macau o onde foi colocado em 1894. Aí foi, durante três anos, companheiro de Wenceslau de Moraes e exerceu as actividades de conservador do Registo Predial (1900) e juiz. Também aí ganhou o gosto pelo coleccionismo de objectos raros e pelo estudo de literatura e língua chinesa. Teve uma vida íntima atribulada, dividida entre o consumo demasiado de ópio e a relação com uma companheira chinesa que lhe deu um filho – João Manuel – nascido em 1896 e falecido alguns anos depois, devido ao ópio e à tuberculose. 1896 é, por coincidência, o ano em que morre Verlaine (tido como autor de cabeceira de P.), que em 1874 havia publicado Romances sans paroles, dando à luz a máxima «de la musique avant toute chose».
O Simbolismo surge como uma corrente literária que estabelece a ligação entre a época romântica e a contemporânea, privilegiando o significante em relação ao significado, a melodia assim como a sugestão, a sensação difusa, a imaginação e o fascínio pelo hermetismo e pela magia verbal. E é esta tendência da poesia para a música que P. irá cultivar na sua própria poética. Em 1899 alguns poemas seus são publicados na revista Ave Azul e em jornais de província, na sequência da sua segunda estada na metrópole entre 1899-1900. A primeira teria sido entre 1896-1897, numa possível tentativa de recuperação da degradação física para a qual caminhava a passos largos. Regressou a Portugal entre 1905-1909 e assistiu ao regicídio de D. Carlos e do príncipe herdeiro. Voltará por uma última vez em Setembro de 1915 (permanecendo até Março de 1916), ano da publicação dos dois números únicos da revista Orpheu.
Neste período, possivelmente, terá sido elaborada a carta que Fernando Pessoa escreveu ao poeta e em que a dado passo se pode ler: «Se estivessem inteiramente escondidos da publicidade, [...] seria, da parte de V. Exª., lamentável mas explicável. O que se dá, porém não se explica; visto que, sendo de todos mais ou menos conhecidos [...], eles não se encontram acessíveis a um público maior e mais permanente na forma normal da letra redonda. [...] sei-os de cor, aqueles cujas cópias tenho, e eles são para mim fonte contínua de exaltação estética. [...] é porque muito admiro esses poemas, e porque muito lamento o seu actual carácter de inéditos (quando, aliás, correm, estropiados, de boca em boca nos cafés), que ouso endereçar a V. Exª. esta carta, com o pedido que contém.» O pedido era de que alguns poemas fossem publicados na edição de Orpheu 3. E também Mário de Sá-Carneiro se havia já manifestado, em entrevista ao jornal República, em 1914, sobre a inexplicável ausência de edição da obra de P.: «A minha vibração emocional, a melhor obra de arte escrita dos últimos trinta anos [...] é um livro que não está publicado – seria com efeito aquele, imperial, que reunisse os poemas inéditos de Camilo P. o grande ritmista.» António Josó Saraiva afirmará mesmo: «[...] A sua presença indirecta na literatura portuguesa é anterior ao seu aparecimento perante o público, visto que já Pessoa e Sá-Carneiro lhe devem tanto, pelo menos, como a Cesário ou a Nobre.» No ano do suicídio de Sá-Carneiro, Luís de Montalvor publica quinze poemas de P. no nº.1 da revista Centauro.
Mas só em 1920 Ana de Castro Osório edita um conjunto significativo da produção de P., sob o título de Clepsydra, reunindo poemas ditados de memória pelo próprio autor, sob a insistência de seu filho João de Castro Osório (grande admirador de P.), que, em 1969, publicará uma edição mais completa e fiel. Ao título Clepsydra atribuem-se muitas e variadas origens, sendo, porém, a mais considerada a que remete para Baudelaire, no seu poema «L'horloge» e no verso «Le gouffre a toujours soif; la clepsydre se vide». A clepsidra é tomada como um objecto que participa das noções concreta abstracta de tempo. Como afirma Jacinto do Prado Coelho: «[...] inculca o sentimento melancólico de que a vida corre no tempo, de que o próprio Homem é constante passagem e se esvai no tempo». E é assim que P., numa poética de exercício da palavra, procurando um entendimento entre os signos e os sinais do universo, sugerindo e subentendendo, constata a relação existente entre a passagem da vida e a inevitável aproximação da morte. O tempo das clepsidras é um tempo linear, angustiante, que marca a hemorragia constante dos segundos. Existe em Clepsydra um plano teórico que faz reconhecer desde «Inscrição» (o poema que abre a obra, remetendo para as inscrições tumulares) até «Poema final» (em que o eu esgotou a sua vida, entrando na morte) uma unidade. O plano da contemplação subjaz à obra, o que levou, por exemplo, Esther de Lemos a afirmar: «[...] falta um verdadeiro sensualismo, uma paixão ardente que permita participar fisicamente na realidade».
Pessanha abandonou a vida a 1 de Março de 1926, vítima de tuberculose pulmonar.
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