Há muito aclamado como um dos maiores poetas italianos de hoje, Elio Pecora só agora viu os seus poemas publicados em Portugal. Uma pátria que não dissocia do universo de Pessoa, que admira profundamente.
No discurso pausado e sereno do autor, que acaba de lançar pela Quasi uma recolha dos seus poemas, há uma palavra usada com mais insistência do que todas as outras: "trabalho". As alusões às musas e à inspiração divina são trocadas de bom grado por aquilo que considera ser o verdadeiro ofício de um poeta - «a busca da palavra exacta».
O recente vencedor do Prémio Internazionale Mondello lamenta que essa paciência detenha cada vez menos cultores, preterida por um frenesim na publicação que está longe de produzir resultados satisfatórios. "Escreve-se muito, lendo pouco e com pouca vontade de trabalhar. Noto muita inquietude nos jovens poetas. Com os anos, vamos aprimorando as nossas qualidades. A maior parte do que escrevo não publico, pois faz parte do processo constante de aperfeiçoamento".
O remoque à ânsia de reconhecimento que caracteriza os jovens autores de hoje não invalida que se mostre "optimista" com o número crescente de poetas, "apesar de este continuar a ser um género minoritário".
Publicado em 1970, "La chiave di vetro", o primeiro livro de poesia de Elio Pecora foi o momento em que se sentiu finalmente preparado. Por isso, não tem pejo em reconhecer que destruiu grande parte dos poemas anteriores a essa data, porquanto "foram uma simples aprendizagem".
Apesar de o seu caso particular o desmentir, defende que "um poeta não depende da idade" e cita como exemplo obrigatório Rimbaud, que "aos 18 anos já era um grande escritor". Tudo somado, Pecora diz reger-se por um regra simples: "Apenas acredito na qualidade da obra e não na idade".
É por advogar tal tese que afirma não se sentir distanciado face aos primeiros textos publicados. Já em 1997, quando recolheu num volume 20 anos da sua poesia, dizia duvidar da "cronologia de uma obra". E socorre-se de Dante, Goethe ou Pessoa como prova suprema de autores que, ao longo da obra, dissecaram um punhado restrito de temas. "Desde que comecei a publicar elegi a exactidão e a clareza da palavra como linhas fulcrais da minha poesia. Continuo a escrever porque entendo que hoje posso enunciar melhor o que penso e sinto".
A brevidade dos escritos de Pecora não é uma simples questão estética, mas antes um esforço deliberado para sintetizar em poucas palavras a complexidade do Mundo. Nos escritos mais recentes - o livro agora lançado reúne nove inéditos - perpassa uma atracção pelos mistérios existenciais que pode ser confundida, numa leitura apressada, com uma aproximação ao divino. Elio Pecora não concorda que possa ser considerado hoje um homem mais religioso, a menos que "entendamos por religião uma tentativa de compreensão dos mistérios do Mundo e da vida".
Em "Quadros citadinos", de 2007, há dois poemas intitulados "Despedida" e, na escrita descarnada do autor, não faltam alusões pontuais a "vazio", "angústia", "medo" ou "morte". Mesmo assim, o poeta descarta o tom sombrio da obra escrita nos últimos anos, atribuído por alguns críticos. "Há uma maior tranquilidade, não desencanto. Continuo um apaixonado da vida, mas estou mais consciente da sua finitude. Acredito, tal como Lucrécio ou Horácio, que nascer implica morrer, da mesma maneira que a glória pressupõe o fracasso. É a simetria perfeita da existência", proclama.
No prefácio da edição de "Poemas escolhidos", a professora universitária Maria Bochicchio alude à genealogia literária do autor, tão vasta que abarca poetas nacionais como Attilio Bertolucci e Dario Bellezza ou autores estrangeiros (Wittgenstein, Hölderlin, Eliot, Brodski ou Szymborska). O vencedor dos prémios Dessi ou Calliope admite que "não se pode escrever poesia se não estivermos a par do que se publica" e garante que, ainda hoje, continua "um leitor voraz".
Pese embora o prestígio acumulado em quatro décadas de publicação, é como divulgador de poesia que prefere ser citado. Além de organizador póstumo da obra de Sandro Penna, dirige a revista "Poeti e poesia", na qual divulga autores de todo o Mundo. "Três quartos do que escrevo é divulgação de poesia. Prefiro dedicar mais tempo ao estudo da poesia dos outros", confessa.
De Moravia a Pasolini, passando por Penna, o poeta privou com as mais insignes figuras da literatura italiana das últimas décadas. Com a maior parte estabeleceu relações de amizade duradouras que actualmente considera improváveis entre colegas do mesmo ofício, dado o clima de rivalidade que diz existir. "Naqueles anos, nas décadas de 60 e 70, Roma era uma cidade onde se discutia tudo abertamente e existia camaradagem. Tudo isso mudou. Se hoje disser a um jovem poeta que o livro que publicou não é nada por aí além, ganho um inimigo", desabafa, desgostoso.
Sobre a pujança da literatura italiana, Pecora prefere não alongar--se, mas considera preocupante que os autores procurem os filões comerciais mais atractivos, como acontece agora com os livros-denúncia, de que o exemplo recente mais notório é "Gomorra", do jornalista Roberto Saviano.
Cortesia de Jornal de Notícias
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