Na revista Palimpsesto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro* leio a apresentação de uma tese muito interessante. O autor é Angelo Mazzuchelli Garcia e o título é: “A literatura como design gráfico: da poesia concreta ao poema-processo de Wlademir Dias Pino”. Sou um fã deste tipo de aproximações (e de muitos outros). Cruzamentos perigosos, reflexões destemidas, viagens destemperadas. E encontrar essa mobilidade no seio da academia é, diga-se a verdade, um óptimo sinal.
A entrada, sobre o tema da “coreografia literária, é suavemente esmagador: “O africano esculpia as máscaras e estatuetas que tanto inspiraram os artistas plásticos modernistas acompanhando a direção dos veios da madeira (ou formas sugeridas pela pedra); livre de qualquer tipo de referência iconográfica (não havia textos que servissem de suporte), seguia somente a estrutura orgânica da matéria”.
Este tipo ilusório de mimetismo é, logo a seguir, confrontado com a modelação da poesia dita concreta: “A poesia concreta, de modo geral, vinculou-se ao design gráfico de forma mais mecânica, operacional. O design gráfico atuou como um dispositivo que fez a poesia concreta funcionar, pois os processos de consolidação da poética concretista são ligados à especificidade da língua – o que pode ser exemplificado através da aplicação do princípio do isomorfismo. O conceito de isomorfismo (do grego isòs, igual e morphè, forma) é oriundo da Gestaltpsycologie, com a qual a poesia concreta se vinculava”.
Quer isto dizer que a ilusão do escultor africano (imaginário) é aqui desmontada. Angelo M. Garcia exemplifica com um poema de Augusto de Campos (“Fluvial/pluvial”) em que a palavra fluvial se encontra escrita na horizontal, ou seja, “isomórfica à direção dos cursos dos rios”, enquanto a palavra pluvial se encontra inscrita na vertical, ou seja, “isomórfica à direção das chuvas”.
Não me parece que este esquematismo esteja – ou tenha estado – na base da reinvenção concreta da poesia. A iconografia é um processo de referência em que o referenciado e aquele que referencia têm algo de idêntico. Mas o ‘ser idêntico’ não significa decalcar a face. ‘Ser idêntico’ pode apenas ser o sorriso que equivale ao sol de Março, algures na minha imaginação. E, nesta medida, mais elástica e prudente, o escultor africano (ou islandês) talha a sua matéria com o mesmo imponderável leme com que o poeta desbrava o cata-vento inquieto da sua língua.
Cortesia de PNET Literatura
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