Venturas e aventuras, mochila recheada de peças de roupas e objetos pessoais nas costas, e com barraca de acampar, saco de dormir e bandeirola do Brasil amarradas na bicicleta. Mas não é uma bike qualquer. É Lady Laura. Foi acompanhado da sua singular dama de ferro que o arista gráfico Rafael Limaverde descobriu e viveu o ensinamento do poeta espanhol Antonio Machado: "Caminhante, não há caminho; o caminho se faz caminhando". No caso de Rafael, pedalando. O que, na verdade, dá no mesmo quando se lê "Pelos caminhos de nuestra América", que será lançado sábado, a partir do meio-dia, no Passeio Público. A obra é o diário da viagem, onde o autor conta como aprendeu a "ler poesia nas estradas" de 16 países da América Latina, entre 2004 e 2006.
Sal Paradise, alter ego do escritor americano Jack Kerouak, no mais clássico dos livros sobre aventuras de viagem, "On the road", publicado em 1960, e que se tornaria pri meiro a bíblia da geração beatnik, depois dos hippies e, por fim, de todos os andarilhos, responde a alguém que lhe pergunta aonde ele vai: "Não sei. Só sei que tenho que ir". Ao contrário do personagem caminhante que cruzou as rodovias americanas, o futuro nômade Rafael sabia muito bem para onde queria ir desde que começou a desenhar a viagem na sua cabeça e a economizar.
Sua vida era bem certinha: trabalho formal, carro, amigos, cartão de crédito, free lancers, amores, grafite, xilogravuras... Mas faltava algo, tinha um buraco no meio da alma e no meio da alma tinha um buraco. Encontrou ao ler "Guidão da liberdade", de Antônio Olinto (não se trata do escritor mineiro de Ubá, que morreu em setembro deste ano, aos 90 anos), que narra as peripécias de um advogado que, embora sequer tivesse andado de avião, um dia resolveu largar tudo para realizar seu sonho: conhecer a Europa de bicicleta.
A narrativa de Olinto sobre fé, confiança e coragem resultantes de noites estreladas, encontros inusitados, contatos diretos com muitos povos e culturas foi "o dispositivo que precisava para desencadear uma grande mudança", afirma Rafael no prefácio de seu livro, recheado de citações de poetas como Mário Quintana e Vinícius de Moraes.
E o que faltava era exatamente poesia. Esta é a resposta à pergunta que ele faz a si mesmo: "O que faz um sujeito largar uma vida normal e se meter estrada afora no lombo de uma bicicleta?". Mas ele se apressa em esclarecer que não tem a pretensão de se dizer poeta. Ele simplesmente - como se isso já fosse pouco - aprendeu a ler poesia. Descobriu, mesmo sem saber, aquilo que Federico Garcia Lorca dizia - não por coincidência contemporâneo de Antonio Machado e também ferrenho opositor ao franquismo: a poesia está nas ruas, em todos os lugares, mas está, acima de tudo, nos olhos de quem sabe vê-la.
Rafael aprendeu muito bem a lição de Lorca. Sobre a miríade de sentimentos que experimentou, durante 24 meses, com os mais diversos e inusitados companheiros com que cruzou nas mais diferentes paisagens, como o "monge do asfalto", em Roraima, que há sete anos vagava pelas estradas, ele diz: "Poesia é a alma desta viagem, pois os dias mais tristes não foram dias de saudade, frio cansaço, fome, calor... Tristeza mesmo é quando se perde a poesia". Além dos mantimentos na mochila, carregava "coragem, tristeza, medo, alegria.... Tudo acondicionado no meu mutalão". Sentimento que ficou tão fortemente marcado nele, que deu como sub-título ao seu livro "Uma pedalada poética pelos confins do continente".
Nos primeiros 12 meses de aventura na América Latina, Rafael estava mais limitado aos fatores externos. "No começo eu tinha vergonha até de pedir água", confessa. Depois que percebeu que tinha aprendido a viajar, começou a jornada para dentro.
Ilustrado com fotos e gravuras do autor, "Pelos caminhos de nuestra America" é marcado pela paixão que Rafael tem pela América Latina, continente "de dores e de delícias". Paixão que se reflete no texto que tem a naturalidade de um rio, o que torna a leitura agradável e fluída como o balanço de uma rede em uma tarde de domingo.
"Meu coração batia forte. Ria feito bobo. De medo e de felicidade. Há tempo sonhava em estar aqui (o Salar d´ Uyuni, o maior deserto de sal do mundo, na Bolívia). Falaram-me muito sobre esse lugar encantado e ao conhecê-lo de perto vejo que é realmente encantado. Aqui não há plantas, pedras, animais.. Só o sal, o céu, o sol e o vento. Não sei o que Deus queria quando inventou isso aqui... Só sei que é maravilhoso". É com a poesia sugerida pela própria condição natural ou social dos lugares por onde passou que Rafael Limaverde vai construindo cada passo da sua jornada, revelada agora nestes seus diários de bicicleta.
LIVRO
"Pelos caminhos de nuestra América"
Rafael Limaverde
R$30,00
2009
324 páginas
EDITORA LITTERE
Cortesia de Caderno 3 - Diário do Nordeste
Sal Paradise, alter ego do escritor americano Jack Kerouak, no mais clássico dos livros sobre aventuras de viagem, "On the road", publicado em 1960, e que se tornaria pri meiro a bíblia da geração beatnik, depois dos hippies e, por fim, de todos os andarilhos, responde a alguém que lhe pergunta aonde ele vai: "Não sei. Só sei que tenho que ir". Ao contrário do personagem caminhante que cruzou as rodovias americanas, o futuro nômade Rafael sabia muito bem para onde queria ir desde que começou a desenhar a viagem na sua cabeça e a economizar.
Sua vida era bem certinha: trabalho formal, carro, amigos, cartão de crédito, free lancers, amores, grafite, xilogravuras... Mas faltava algo, tinha um buraco no meio da alma e no meio da alma tinha um buraco. Encontrou ao ler "Guidão da liberdade", de Antônio Olinto (não se trata do escritor mineiro de Ubá, que morreu em setembro deste ano, aos 90 anos), que narra as peripécias de um advogado que, embora sequer tivesse andado de avião, um dia resolveu largar tudo para realizar seu sonho: conhecer a Europa de bicicleta.
A narrativa de Olinto sobre fé, confiança e coragem resultantes de noites estreladas, encontros inusitados, contatos diretos com muitos povos e culturas foi "o dispositivo que precisava para desencadear uma grande mudança", afirma Rafael no prefácio de seu livro, recheado de citações de poetas como Mário Quintana e Vinícius de Moraes.
E o que faltava era exatamente poesia. Esta é a resposta à pergunta que ele faz a si mesmo: "O que faz um sujeito largar uma vida normal e se meter estrada afora no lombo de uma bicicleta?". Mas ele se apressa em esclarecer que não tem a pretensão de se dizer poeta. Ele simplesmente - como se isso já fosse pouco - aprendeu a ler poesia. Descobriu, mesmo sem saber, aquilo que Federico Garcia Lorca dizia - não por coincidência contemporâneo de Antonio Machado e também ferrenho opositor ao franquismo: a poesia está nas ruas, em todos os lugares, mas está, acima de tudo, nos olhos de quem sabe vê-la.
Rafael aprendeu muito bem a lição de Lorca. Sobre a miríade de sentimentos que experimentou, durante 24 meses, com os mais diversos e inusitados companheiros com que cruzou nas mais diferentes paisagens, como o "monge do asfalto", em Roraima, que há sete anos vagava pelas estradas, ele diz: "Poesia é a alma desta viagem, pois os dias mais tristes não foram dias de saudade, frio cansaço, fome, calor... Tristeza mesmo é quando se perde a poesia". Além dos mantimentos na mochila, carregava "coragem, tristeza, medo, alegria.... Tudo acondicionado no meu mutalão". Sentimento que ficou tão fortemente marcado nele, que deu como sub-título ao seu livro "Uma pedalada poética pelos confins do continente".
Nos primeiros 12 meses de aventura na América Latina, Rafael estava mais limitado aos fatores externos. "No começo eu tinha vergonha até de pedir água", confessa. Depois que percebeu que tinha aprendido a viajar, começou a jornada para dentro.
Ilustrado com fotos e gravuras do autor, "Pelos caminhos de nuestra America" é marcado pela paixão que Rafael tem pela América Latina, continente "de dores e de delícias". Paixão que se reflete no texto que tem a naturalidade de um rio, o que torna a leitura agradável e fluída como o balanço de uma rede em uma tarde de domingo.
"Meu coração batia forte. Ria feito bobo. De medo e de felicidade. Há tempo sonhava em estar aqui (o Salar d´ Uyuni, o maior deserto de sal do mundo, na Bolívia). Falaram-me muito sobre esse lugar encantado e ao conhecê-lo de perto vejo que é realmente encantado. Aqui não há plantas, pedras, animais.. Só o sal, o céu, o sol e o vento. Não sei o que Deus queria quando inventou isso aqui... Só sei que é maravilhoso". É com a poesia sugerida pela própria condição natural ou social dos lugares por onde passou que Rafael Limaverde vai construindo cada passo da sua jornada, revelada agora nestes seus diários de bicicleta.
LIVRO
"Pelos caminhos de nuestra América"
Rafael Limaverde
R$30,00
2009
324 páginas
EDITORA LITTERE
Cortesia de Caderno 3 - Diário do Nordeste
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