Engenheiro de profissão, com uma passagem curta pela governação - foi ministro da Economia do 2º Governo socialista de António Guterres (1999-2002) -, e outra mais longa pela administração regional (presidiu à Comissão de Coordenação da Região Norte durante 15 anos), Luís Braga da Cruz (n. Coimbra, 1942) é o novo presidente do Conselho de Administração de Serralves. Foi uma escolha esperada - recaiu sobre alguém que já integrava a administração cessante e que tinha até feito parte do elenco que geriu Serralves logo após a constituição da fundação, em 1989.
ENTREVISTA
Está praticamente ligado a Serralves desde o início. O que o fez aceitar presidir agora à administração?
Fui apontado nesse sentido pelos meus colegas de conselho. Disseram-me: "Tem que ser você". Houve uma votação e assim aconteceu. Não fiz nenhuma campanha nem manifestei nenhuma vontade. Foi uma coisa que veio ter comigo. Aliás, na minha vida, as coisas normalmente acontecem assim.
Sucede a três presidentes que tiveram em Serralves, cada um deles, um protagonismo muito particular: Teresa Gouveia, João Marques Pinto e António Gomes de Pinho...
São pessoas que respeito muito, figuras eminentes da cultura portuguesa. Todos diferentes. Marques Pinto é um homem cheio de uma energia muito voluntarista, que acredita profundamente na contemporaneidade como factor de modernização da sociedade portuguesa. Teresa Gouveia é uma grande diplomata, habilidosa, que soube reunir consensos e cativar pessoas para o projecto de Serralves, que muito lhe deve. E Gomes de Pinho foi um presidente notável, um optimista também cheio de energia; para ele, não há limites.
É uma herança pesada?
É verdade. Se me perguntar o que é que pretendo fazer de novo para deixar a minha marca, tenho alguma dificuldade em responder. Nestas circunstâncias, a prudência mandaria dizer duas coisas: em primeiro lugar, garantir a continuidade. Também é a minha forma de estar nas instituições. Não gosto de promover grandes alterações. Seria uma tontice, da minha parte, se fizesse algo sem antes compreender, sentir, falar com muita gente... E depois, sim, promover as alterações que me pareçam certas. Serralves também não é uma organização unipessoal. Tem um conselho de administração que funciona como um think tank de reflexão, que não interfere na orientação artística do director do museu, do parque, nada disso. Há autonomia absoluta em tudo o que for função criativa.
E vai manter essa marca?
Sim. Por outro lado, sinto que estamos num momento charneira, que vai certamente reclamar muita reflexão, porque os tempos estão difíceis. O mecenato cultural não é fácil em Portugal, e está um bocado cartelizado. Serralves tem beneficiado dele, mas tem a concorrência de grandes organizações, como a Casa de Música, aqui no Porto, por exemplo...
E tem a concorrência, até, do próprio Estado.
Isso é inequívoco. Como é que a gente sai dessa situação? Haverá, porventura, capacidade de apelo a outras formas de mecenato? Temos discutido isso, mas sem nunca reunirmos grande consenso. O português não tem muito esse hábito.
Reagimos melhor às tragédias e aos apelos de solidariedade...
Sim. A sociedade civil é muito solidária, em Portugal. Tudo o que seja preocupação com necessidades sociais básicas, como a luta contra a pobreza, mitigar problemas de sanidade, de doença, da infância... Agora, novas soluções para novas preocupações, nomeadamente em relação com questões ligadas à juventude, à inovação, à investigação científica ou à cultura, isso é difícil.
Que justificação encontra para essa dificuldade em angariar mecenato para a cultura?
A sociedade portuguesa está muito dependente de um Estado forte, centralizado, omnipresente, a quem se reclama tudo. Isso é uma constante. Temos de nos libertar disso, porque não é bom. O Estado tem uma função supletiva, reguladora, mas não deve estar permanentemente a tratar de tudo.
Mantém as suas convicções regionalistas?
Se se entende por regionalista alguém que entende que a coesão nacional é um valor, sou profundamente regionalista. Sou contra o centralismo esclarecido, iluminado. Sou profundamente contra a concepção do desenvolvimento do país, no âmbito social e cultural, em que há alguém que no centro é iluminado e promove o desenvolvimento do todo do território nacional por arrastamento, numa via assistencialista.
Mas, no caso de Serralves, o Estado é um pilar fundamental para o orçamento de gestão da fundação.
É, sem dúvida. Deve contribuir com cerca de 43 por cento do orçamento de funcionamento. Sabemos que temos alguma responsabilidade pública por isso, e temos cumprido.
Não teme que a crise leve o Estado a diminuir a sua contribuição?
Essa contribuição está regulada por lei. A menos que haja um cataclismo... O Estado tem cumprido com a sua obrigação, nós temos cumprido com a nossa.
Mas ainda não disse qual vai ser a marca pessoal que quer deixar no seu mandato?
Daqui a meio ano, sou capaz de lhe dizer com mais rigor. Mas Serralves é uma instituição que, hoje, e pelo seu passado, adquiriu um estatuto de referência no panorama nacional e internacional. Os resultados são bons, já tem 400 mil visitantes por ano.
Essa preocupação com os números não começa a ser obsessiva? A ideia de querer, todos os anos, ultrapassar os visitantes do ano anterior...
Devo confessar que não sou muito sensível a isso. Mas este é um dado que não podemos descurar. Se, realmente, as instituições vivem numa sociedade competitiva, esses indicadores são os elementos de comparação, mais ainda se não houver uma valorização da nossa actividade. Por exemplo, o Serralves em Festa: abrir 40 horas non stop Serralves ao exterior é muito importante, porque, através da festa, captam-se novos públicos, que nunca tinham vindo a Serralves.
E há alguma garantia de que esses públicos da Festa regressem a Serralves?
Um dos nossos propósitos para este ano é fazer um estudo para caracterizar a procura de Serralves, para saber quem nos visita, porquê, e identificar onde há áreas de potencial. Mas o Serralves em Festa tem claramente uma capacidade-limite. Começámos nos 40 mil, chegámos já aos 80 mil. Será que isto aguenta 100 mil? Estamos num espaço que é património e que não aguenta cargas superiores àquelas que já atingiu. Isso põe-nos um problema. E já fizemos esse desafio, nomeadamente à Câmara do Porto. É saber em que medida essa exteriorização do Serralves em Festa não pode ser desdobrada em mais acções, e ser transformado num Festival de Verão. Uma ideia muito interessante, mas que depende da reacção da câmara. Seria uma excelente alternativa aos aviões.
A certa altura, ouviram-se críticas à gestão de Gomes de Pinho, segundo as quais Serralves estaria a querer ir longe de mais no alargamento da sua acção...
Nós estamos num momento em que, porventura, temos que rever a nossa missão, orientada para o museu, a colecção e o parque. Garantidamente, tem de haver alguma continuidade. A segunda palavra que eu elegeria [para definir o meu mandato] seria consolidação. Serralves cresceu muito. Exige ter sustentabilidade económica, rigor nos números e obediência ao orçamento. Mas devemos fixar-nos naquilo que são os eixos estratégicos de Serralves. O primeiro é ter uma colecção. Não pode haver museu, nem actividade expositiva, nem investigação sobre os valores contemporâneos sem haver uma boa colecção.
Está satisfeito com o dinheiro actualmente disponível para aquisições?
O fundo de compras estrutura-se segundo o protocolo de Serralves com o Ministério da Cultura e a Câmara do Porto, que ascende a 1,2 milhões de euros/ano (uma relação 20-50-30). Gostaríamos que a Câmara do Porto não só mantivesse e reforçasse mesmo essa relação. A câmara tem cumprido religiosamente, mas era preciso reforçar. Precisamos de ter um valor mais elevado, mas haverá outras formas de o reforçar. Ter uma colecção é muito importante, e é uma das nossas obrigações estatutárias. Queremos promover a extensão cultural, levar manifestações de arte contemporânea a outras cidades.
Isso significa que os protocolos que a Fundação tem vindo a estabelecer com câmaras municipais do país vão continuar?
Entendemos que os valores contemporâneos são muito úteis para a sociedade portuguesa: desenvolver a criatividade e a inovação, a tolerância, o desenvolvimento do talento, explorar as relações da arte contemporânea com a economia...
Em que ponto está o projecto Serralves 21 para Matosinhos? Há garantias de que vá avançar de modo a ficar pronto em 2012?
Depois do concurso internacional em que foi escolhido o projecto do atelier SANAA, foi feita uma candidatura ao POVT [Programa Operacional de Valorização do Território], inserido no QREN [Quadro de Referência Estratégico Nacional], com um valor de investimento total de 42,8 milhões de euros. O POVT considerou elegível um valor de 38,9 milhões, a que corresponderia uma contribuição do Feder [Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional] de 27,2 milhões. Apesar de esta verba representar uma contribuição muito interessante e encorajadora, ainda estão a ser feitas diligências para conseguir reunir a importância da contrapartida nacional, no valor de 11,7 milhões, de que depende o arranque do projecto. Se tudo correr bem, a entrada em serviço apontaria para 2012-2013.
Cortesia de O Público
ENTREVISTA
Está praticamente ligado a Serralves desde o início. O que o fez aceitar presidir agora à administração?
Fui apontado nesse sentido pelos meus colegas de conselho. Disseram-me: "Tem que ser você". Houve uma votação e assim aconteceu. Não fiz nenhuma campanha nem manifestei nenhuma vontade. Foi uma coisa que veio ter comigo. Aliás, na minha vida, as coisas normalmente acontecem assim.
Sucede a três presidentes que tiveram em Serralves, cada um deles, um protagonismo muito particular: Teresa Gouveia, João Marques Pinto e António Gomes de Pinho...
São pessoas que respeito muito, figuras eminentes da cultura portuguesa. Todos diferentes. Marques Pinto é um homem cheio de uma energia muito voluntarista, que acredita profundamente na contemporaneidade como factor de modernização da sociedade portuguesa. Teresa Gouveia é uma grande diplomata, habilidosa, que soube reunir consensos e cativar pessoas para o projecto de Serralves, que muito lhe deve. E Gomes de Pinho foi um presidente notável, um optimista também cheio de energia; para ele, não há limites.
É uma herança pesada?
É verdade. Se me perguntar o que é que pretendo fazer de novo para deixar a minha marca, tenho alguma dificuldade em responder. Nestas circunstâncias, a prudência mandaria dizer duas coisas: em primeiro lugar, garantir a continuidade. Também é a minha forma de estar nas instituições. Não gosto de promover grandes alterações. Seria uma tontice, da minha parte, se fizesse algo sem antes compreender, sentir, falar com muita gente... E depois, sim, promover as alterações que me pareçam certas. Serralves também não é uma organização unipessoal. Tem um conselho de administração que funciona como um think tank de reflexão, que não interfere na orientação artística do director do museu, do parque, nada disso. Há autonomia absoluta em tudo o que for função criativa.
E vai manter essa marca?
Sim. Por outro lado, sinto que estamos num momento charneira, que vai certamente reclamar muita reflexão, porque os tempos estão difíceis. O mecenato cultural não é fácil em Portugal, e está um bocado cartelizado. Serralves tem beneficiado dele, mas tem a concorrência de grandes organizações, como a Casa de Música, aqui no Porto, por exemplo...
E tem a concorrência, até, do próprio Estado.
Isso é inequívoco. Como é que a gente sai dessa situação? Haverá, porventura, capacidade de apelo a outras formas de mecenato? Temos discutido isso, mas sem nunca reunirmos grande consenso. O português não tem muito esse hábito.
Reagimos melhor às tragédias e aos apelos de solidariedade...
Sim. A sociedade civil é muito solidária, em Portugal. Tudo o que seja preocupação com necessidades sociais básicas, como a luta contra a pobreza, mitigar problemas de sanidade, de doença, da infância... Agora, novas soluções para novas preocupações, nomeadamente em relação com questões ligadas à juventude, à inovação, à investigação científica ou à cultura, isso é difícil.
Que justificação encontra para essa dificuldade em angariar mecenato para a cultura?
A sociedade portuguesa está muito dependente de um Estado forte, centralizado, omnipresente, a quem se reclama tudo. Isso é uma constante. Temos de nos libertar disso, porque não é bom. O Estado tem uma função supletiva, reguladora, mas não deve estar permanentemente a tratar de tudo.
Mantém as suas convicções regionalistas?
Se se entende por regionalista alguém que entende que a coesão nacional é um valor, sou profundamente regionalista. Sou contra o centralismo esclarecido, iluminado. Sou profundamente contra a concepção do desenvolvimento do país, no âmbito social e cultural, em que há alguém que no centro é iluminado e promove o desenvolvimento do todo do território nacional por arrastamento, numa via assistencialista.
Mas, no caso de Serralves, o Estado é um pilar fundamental para o orçamento de gestão da fundação.
É, sem dúvida. Deve contribuir com cerca de 43 por cento do orçamento de funcionamento. Sabemos que temos alguma responsabilidade pública por isso, e temos cumprido.
Não teme que a crise leve o Estado a diminuir a sua contribuição?
Essa contribuição está regulada por lei. A menos que haja um cataclismo... O Estado tem cumprido com a sua obrigação, nós temos cumprido com a nossa.
Mas ainda não disse qual vai ser a marca pessoal que quer deixar no seu mandato?
Daqui a meio ano, sou capaz de lhe dizer com mais rigor. Mas Serralves é uma instituição que, hoje, e pelo seu passado, adquiriu um estatuto de referência no panorama nacional e internacional. Os resultados são bons, já tem 400 mil visitantes por ano.
Essa preocupação com os números não começa a ser obsessiva? A ideia de querer, todos os anos, ultrapassar os visitantes do ano anterior...
Devo confessar que não sou muito sensível a isso. Mas este é um dado que não podemos descurar. Se, realmente, as instituições vivem numa sociedade competitiva, esses indicadores são os elementos de comparação, mais ainda se não houver uma valorização da nossa actividade. Por exemplo, o Serralves em Festa: abrir 40 horas non stop Serralves ao exterior é muito importante, porque, através da festa, captam-se novos públicos, que nunca tinham vindo a Serralves.
E há alguma garantia de que esses públicos da Festa regressem a Serralves?
Um dos nossos propósitos para este ano é fazer um estudo para caracterizar a procura de Serralves, para saber quem nos visita, porquê, e identificar onde há áreas de potencial. Mas o Serralves em Festa tem claramente uma capacidade-limite. Começámos nos 40 mil, chegámos já aos 80 mil. Será que isto aguenta 100 mil? Estamos num espaço que é património e que não aguenta cargas superiores àquelas que já atingiu. Isso põe-nos um problema. E já fizemos esse desafio, nomeadamente à Câmara do Porto. É saber em que medida essa exteriorização do Serralves em Festa não pode ser desdobrada em mais acções, e ser transformado num Festival de Verão. Uma ideia muito interessante, mas que depende da reacção da câmara. Seria uma excelente alternativa aos aviões.
A certa altura, ouviram-se críticas à gestão de Gomes de Pinho, segundo as quais Serralves estaria a querer ir longe de mais no alargamento da sua acção...
Nós estamos num momento em que, porventura, temos que rever a nossa missão, orientada para o museu, a colecção e o parque. Garantidamente, tem de haver alguma continuidade. A segunda palavra que eu elegeria [para definir o meu mandato] seria consolidação. Serralves cresceu muito. Exige ter sustentabilidade económica, rigor nos números e obediência ao orçamento. Mas devemos fixar-nos naquilo que são os eixos estratégicos de Serralves. O primeiro é ter uma colecção. Não pode haver museu, nem actividade expositiva, nem investigação sobre os valores contemporâneos sem haver uma boa colecção.
Está satisfeito com o dinheiro actualmente disponível para aquisições?
O fundo de compras estrutura-se segundo o protocolo de Serralves com o Ministério da Cultura e a Câmara do Porto, que ascende a 1,2 milhões de euros/ano (uma relação 20-50-30). Gostaríamos que a Câmara do Porto não só mantivesse e reforçasse mesmo essa relação. A câmara tem cumprido religiosamente, mas era preciso reforçar. Precisamos de ter um valor mais elevado, mas haverá outras formas de o reforçar. Ter uma colecção é muito importante, e é uma das nossas obrigações estatutárias. Queremos promover a extensão cultural, levar manifestações de arte contemporânea a outras cidades.
Isso significa que os protocolos que a Fundação tem vindo a estabelecer com câmaras municipais do país vão continuar?
Entendemos que os valores contemporâneos são muito úteis para a sociedade portuguesa: desenvolver a criatividade e a inovação, a tolerância, o desenvolvimento do talento, explorar as relações da arte contemporânea com a economia...
Em que ponto está o projecto Serralves 21 para Matosinhos? Há garantias de que vá avançar de modo a ficar pronto em 2012?
Depois do concurso internacional em que foi escolhido o projecto do atelier SANAA, foi feita uma candidatura ao POVT [Programa Operacional de Valorização do Território], inserido no QREN [Quadro de Referência Estratégico Nacional], com um valor de investimento total de 42,8 milhões de euros. O POVT considerou elegível um valor de 38,9 milhões, a que corresponderia uma contribuição do Feder [Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional] de 27,2 milhões. Apesar de esta verba representar uma contribuição muito interessante e encorajadora, ainda estão a ser feitas diligências para conseguir reunir a importância da contrapartida nacional, no valor de 11,7 milhões, de que depende o arranque do projecto. Se tudo correr bem, a entrada em serviço apontaria para 2012-2013.
Cortesia de O Público
Sem comentários:
Enviar um comentário