Queria viver em poesia. Como isso não parece ser possível, tornou-se "dizedor" desassossegado. Com António Victorino d'Almeida, evoca agora a palavra de Miguel Torga.
Era menino e ficou encantado com a voz. A voz da mãe que lhe lia provérbios e pequenos trechos do Almanaque. A partir daí, ele dá a voz à palavra dos outros. No liceu da Póvoa de Varzim, o tímido e breve Aurelino Costa caiu numa turma "de rebeldia satânica" - assim a classificava o reitor - e o seu modo de dizer atenuava os castigos dos colegas.
Não pelas melhores razões, o reitor visitava com certa frequência a turma. E a voz de Aurelino parecia ter o dom de lhe abrandar a ira. "Quando o reitor entrava na sala, o professor Albino Campos pedia-me para ler: e eu lia." Uma leitura emocionada, sem esconder o fogo ou a mágoa que as palavras encerram: "Ele parava, silencioso, a ouvir e esquecia tudo o resto."
Advogado, poeta, actor de cinema às vezes, Aurelino Costa define--se como um "dizedor de poesia". Muitos anos depois de encetar o ofício, "a perplexidade" de ouvir a sua própria voz permanece. Persegue--o. "O dizer poesia surgiu em mim como uma inquietação." E essa inquietação leva-o a revisitar a obra de José Régio, de Miguel Torga ou de José Gomes Ferreira. Leu Ângelo de Lima e Manuel Alegre em Leninegrado. Enquanto estudante, deu voz a poemas de Régio e Antero numa homenagem ao pai de Carlos Paredes. Nesse recital no Teatro Gil Vicente, recorda, leu ainda um poema de sua autoria - dedicado à mãe, "à voz da mulher do Alma- naque".
Em Coimbra, "houve um certo desassossego: o que eu gostava era de viver em poesia, mas descobri que às vezes o estar" basta. Seguiram-se recitais na Aula Magna, em Lisboa, na companhia de António Portugal e Octávio Sérgio. A palavra de Régio muitas vezes e a "rebeldia" do seu Cântico Negro, mas Aurelino não se fixa num só nome. "Tenho amor profundo e respeito pelos bons autores de poesia. Não existe, todavia, um por quem esteja apaixonado. Todo o poeta se acomoda ao dizedor."
Autor de Poesia Solar, Na Raiz do Tempo e Pitões das Júnias, entre outras obras, um poema seu, Harpa e Delírio d'Água, foi musicado e cantado pela soprano e harpista catalã Arianna Savall. Por sua vez, o pai de Arianna, Jordi Savall convidou Aurelino para a narração em Miguel Cervantes e Las Músicas del Quixote, um dos espectáculos do Festival Internacional de Música da Póvoa de Varzim, em 2006.
Com o maestro António Victorino d'Almeida gravou, em 2001, Na Voz do Regresso, homenagem a José Régio, no centenário do nascimento do poeta - que escolhia o Diana-Bar, na Póvoa, para local de trabalho "muito simpático" no Inverno. O maestro e o dizedor voltam a encontrar-se : evocam agora a poesia de Miguel Torga.
Aurelino Costa nasceu há 54 anos em Argivai, Póvoa de Varzim. Advoga, escreve e diz. No seu curriculum consta também uma passagem pelo cinema: foi actor em Netto e o Domador de Cavalos, de Tabajara Ruas, filme rodado no Rio Grande do Sul, Brasil. "Era o secretário do delegado do império". A experiência no cinema pode repetir-se, em breve: o autor de Poesia Solar foi novamente convidado por Tabajara Ruas para integrar o elenco de Os Senhoras da Guerra. A concretizar-se o filme, desta vez aparecerá a dar corpo e voz à personagem de um coronel.
De palavras suas, enfim, será o próximo trabalho, que a Numérica vai editar no final do ano: livro poemas e um CD com os mesmos textos ditos pelo autor. O Olho d' Alho, título da obra, é um regresso à voz perturbadora do Almanaque. Na infância, conheceu um homem que tinha um olho de vidro. "Olho de vidro", dizia a mãe. "Para mim era um olho d'alho" - uma forma de "ver o mundo, de certo modo, azedo e com alguma esperança".
Cortesia DNArtes
Era menino e ficou encantado com a voz. A voz da mãe que lhe lia provérbios e pequenos trechos do Almanaque. A partir daí, ele dá a voz à palavra dos outros. No liceu da Póvoa de Varzim, o tímido e breve Aurelino Costa caiu numa turma "de rebeldia satânica" - assim a classificava o reitor - e o seu modo de dizer atenuava os castigos dos colegas.
Não pelas melhores razões, o reitor visitava com certa frequência a turma. E a voz de Aurelino parecia ter o dom de lhe abrandar a ira. "Quando o reitor entrava na sala, o professor Albino Campos pedia-me para ler: e eu lia." Uma leitura emocionada, sem esconder o fogo ou a mágoa que as palavras encerram: "Ele parava, silencioso, a ouvir e esquecia tudo o resto."
Advogado, poeta, actor de cinema às vezes, Aurelino Costa define--se como um "dizedor de poesia". Muitos anos depois de encetar o ofício, "a perplexidade" de ouvir a sua própria voz permanece. Persegue--o. "O dizer poesia surgiu em mim como uma inquietação." E essa inquietação leva-o a revisitar a obra de José Régio, de Miguel Torga ou de José Gomes Ferreira. Leu Ângelo de Lima e Manuel Alegre em Leninegrado. Enquanto estudante, deu voz a poemas de Régio e Antero numa homenagem ao pai de Carlos Paredes. Nesse recital no Teatro Gil Vicente, recorda, leu ainda um poema de sua autoria - dedicado à mãe, "à voz da mulher do Alma- naque".
Em Coimbra, "houve um certo desassossego: o que eu gostava era de viver em poesia, mas descobri que às vezes o estar" basta. Seguiram-se recitais na Aula Magna, em Lisboa, na companhia de António Portugal e Octávio Sérgio. A palavra de Régio muitas vezes e a "rebeldia" do seu Cântico Negro, mas Aurelino não se fixa num só nome. "Tenho amor profundo e respeito pelos bons autores de poesia. Não existe, todavia, um por quem esteja apaixonado. Todo o poeta se acomoda ao dizedor."
Autor de Poesia Solar, Na Raiz do Tempo e Pitões das Júnias, entre outras obras, um poema seu, Harpa e Delírio d'Água, foi musicado e cantado pela soprano e harpista catalã Arianna Savall. Por sua vez, o pai de Arianna, Jordi Savall convidou Aurelino para a narração em Miguel Cervantes e Las Músicas del Quixote, um dos espectáculos do Festival Internacional de Música da Póvoa de Varzim, em 2006.
Com o maestro António Victorino d'Almeida gravou, em 2001, Na Voz do Regresso, homenagem a José Régio, no centenário do nascimento do poeta - que escolhia o Diana-Bar, na Póvoa, para local de trabalho "muito simpático" no Inverno. O maestro e o dizedor voltam a encontrar-se : evocam agora a poesia de Miguel Torga.
Aurelino Costa nasceu há 54 anos em Argivai, Póvoa de Varzim. Advoga, escreve e diz. No seu curriculum consta também uma passagem pelo cinema: foi actor em Netto e o Domador de Cavalos, de Tabajara Ruas, filme rodado no Rio Grande do Sul, Brasil. "Era o secretário do delegado do império". A experiência no cinema pode repetir-se, em breve: o autor de Poesia Solar foi novamente convidado por Tabajara Ruas para integrar o elenco de Os Senhoras da Guerra. A concretizar-se o filme, desta vez aparecerá a dar corpo e voz à personagem de um coronel.
De palavras suas, enfim, será o próximo trabalho, que a Numérica vai editar no final do ano: livro poemas e um CD com os mesmos textos ditos pelo autor. O Olho d' Alho, título da obra, é um regresso à voz perturbadora do Almanaque. Na infância, conheceu um homem que tinha um olho de vidro. "Olho de vidro", dizia a mãe. "Para mim era um olho d'alho" - uma forma de "ver o mundo, de certo modo, azedo e com alguma esperança".
Cortesia DNArtes
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