É notória a influência do modernismo brasileiro na literatura de Cabo Verde, mais precisamente na geração da revista Claridade (1936-1960), representanda, dentre tantos outros, por Jorge Barbosa, Baltasar Lopes (Osvaldo Alcântara) e Manuel Lopes. Os claridosos, assim conhecidos, visualizavam no exemplo dos modernistas brasileiros uma vertente para pensar o arquipélago, suas contradições e dilemas distanciando-os da metrópole portuguesa. Surge nos intelectuais desse período, pois a Claridade não era uma revista apenas de literatura e abarcava outras áreas do saber, um olhar aprofundando dos problemas sociais do país, ou como afirma Manuel Ferreira: “Os modernos textos brasileiros andaram de mão em mão no momento em que os jovens intelectuais cabo-verdianos descobriam a urgência de rigorosa objectividade socio-literária” (FERREIRA, 1985, p. 261).
Baltasar Lopes, um dos idealizadores dessa proposta, assim narra a recepção dos textos dos modernistas brasileiros:
Há pouco mais de vinte anos eu e um grupo de reduzidos amigos começamos a pensar no nosso problema, isto é, no problema de Cabo Verde. Precisávamos de certezas sistemáticas que só nos podiam vir, como auxílio metodológico e como investigação, de outras latitudes. Ora aconteceu que por aquelas alturas nos caíram nas mãos fraternalmente juntas, em sistema de empréstimo, alguns livros que consideramos essenciais pro doma nostra. Na ficção o José Lins do Rego d’O menino de Engenho e do Bangüê, o Jorge Amado do Jubiabá e Mar Morto; o Amândio Fontes d’Os Corumbas; o Marques Rabelo d’O caso da Mentira, que conhecemos por Ribeiro Couto. Em poesia foi um ‘alumbramento’ a “Evocação do Recife”, de Manuel Bandeira, que, salvo um ou outro pormenor, eu visualizava com as suas figuras dramáticas, na minha vila da Ribeira Brava. (idem, p. 259)
Para além dos romances regionalistas – e aqui podemos acrescentar “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos –, percebemos o impacto causado pela poesia de Manuel Bandeira na geração claridosa e “as reverberações do tema de Pasárgada, colhido da poesia de Manuel Bandeira, alçaram-no a matriz poética do arquipélago, tendo como seu principal cultor o poeta Osvaldo Alcântara (Baltasar Lopes) que o legou entusiasticamente a outros escritores” (GOMES, 2008, p. 115). Dessa maneira, Osvaldo Alcântara, com maior ênfase, e outros escritores cabo-verdianos seguem o verso de Bandeira, “Não quero mais saber do lirismo que não é libertador”, e incorporam o pasargadismo que inspirou o desejo de evasão para outro espaço conotado a justiça social e no poder libertador da palavra poética.
Entretanto, o evasionismo proposto pelo pasargadismo e o desejo de emigrar sofreram severas críticas com o passar dos anos em razão da insustentável submissão colonial, já com a revista Certeza (1944), de cariz marxista, e a geração da Nova Largada contrária ao pasargadismo, ao evasionismo e ao terra-longismo, porém a favor de um olhar que recuperava as raízes crioulas e de veementes críticas ao colonialismo, para dissabor da metrópole, mas ainda assim “conservando a lição do quotidiano e o substracto telúrico veiculados pelos claridosos” (ALMADA, 2010, p. 3). Vários são os poetas da Nova Largada, dentre tantos, Aguinaldo Fonseca, António Nunes, Yolanda Morazzo, Ovídio Martins, chegando a atingir nomes revelados ao final dos anos 1950, tais como Onésimo Silveira, Mário Fonseca, Oswaldo Osório, Arménio Vieira e Kaoberdiano Dambará. Essa postura radicalizada dos novalargadistas é muito bem exposta no poema Anti-evasão de Ovídio Martins, que é enfático no seu antipasargadismo: Pedirei/ Suplicarei/ Chorarei// Não vou para Pasárgada// Atirar-me-ei ao chão/ e prenderei nas mãos convulsas/ ervas e pedras de sangue// Não vou para Pasárgada/ Gritarei/ Berrarei/ Matarei// Não vou para Pasárgada (ANDRADE, 1977, p. 48.)
Na década de 1950, as guerras de libertação das colônias africanas tornaram-se uma realidade e revelavam ao mundo o absurdo do colonialismo, os ideais pan-africanistas espalhavam-se pelos continentes, fundava-se o PAIGC (Partido Africano pela Independência de Guiné e Cabo Verde) sob a liderança de Amílcar Cabral, mas antes este jovem lançava um importante texto “Apontamentos sobre a poesia cabo-verdiana”[i] (1952), premonitório no dizer de Manuel Ferreira (FERREIRA, 1985, p. 304), acerca dos novos rumos que caberiam aos futuros atores da literatura cabo-verdiana assumirem após o chão fecundado por Claridade e Certeza:
Os seus poetas – o contato com o mundo é cada vez maior – sentem e sabem que, para além da realidade caboverdiana, existe uma outra realidade humana de que não podem alhear-se. Sentem e sabem que não é apenas em Cabo Verde que há “gritos lancinantes pela noite silenciosa” e “homens vagabundos” que “fitam estrelas que a madrugada esculpiu”. (...)
Mas a evolução da poesia cabo-verdiana não pode parar. Ela tem de transcender a “resignação” e a “esperança. A “insularidade total” e as secas não bastam para justificar uma estagnação perene. As mensagens da Claridade e da Certeza têm de ser transcendidas. O sonho da evasão, o desejo de “querer partir” não pode eternizar-se. O sonho tem de ser outro, e aos poetas – os que continuam de mãos dadas com o povo, de pés fincados na terra e participando no drama comum – compete cantá-lo. O caboverdiano, de olhos bem abertos, compreenderá o seu próprio sonho, descobrirá a sua própria voz, na mensagem dos poetas. (CABRAL, 1976, p. 21).
Por Ricardo Riso
Cortesia de Triplov
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