Em todo o lado se fala de crise. Querem-se medidas concretas. Acções. O problema é que ninguém parece saber o que fazer. Talvez seja uma boa altura para se voltarem a discutir ideias sem constrangimentos, porque quando não se sabe qual o caminho a seguir, mais vale tentar traçar um.
É, pois, tempo de reflectir. É isso que vai acontecer hoje, às 18h30, na Culturgest, em Lisboa, no debate Afinal para que serve a arte?, uma iniciativa do Institute of Ideas, um think tank britânico que organiza anualmente o festival londrino Battle of Ideas. Durante os dois dias do festival sucedem-se dezenas de debates sobre os temas mais variados, com alguns especialistas introduzindo a discussão que se alarga ao público, sendo esse um dos seus principais objectivos.
Em paralelo, o Institute of Ideas organiza eventos-satélite noutros contextos, escolhendo agora a Culturgest, também como co-organizadora. No debate, moderado pela inglesa Claire Fox, do instituto, vão participar, num primeiro momento, Augusto Mateus (responsável pelo estudo O sector cultural e criativo em Portugal, que concluiu que a cultura é um factor de desenvolvimento), Jorge Silva Melo (encenador e director artístico dos Artistas Unidos), Miguel Wandschneider (programador da Culturgest) e Angus Kennedy (responsável pelas relações externas daquele instituto inglês).
Solução ou problema?
No contexto de recessão, por um lado, as artes, e a cultura em geral são encaradas como fazendo parte do leque de soluções, ou seja, como factor de desenvolvimento económico, à luz das teorias em torno das indústrias culturais e criativas. Mas o que se assiste nos países europeus, e Portugal não é excepção, é a cortes orçamentais em ministérios e organismos culturais. Afinal, a cultura é solução ou problema?
"Neste período de recessão, muitas instituições culturais estão preocupadas com as suas fontes de financiamento e utilizam o argumento que devem ser apoiadas porque as indústrias culturais e criativas desempenham um papel relevante na economia, mas essa posição coloca-nos perante uma série de questões", diz Angus Kennedy. Entre elas, o facto de haver sectores da esfera da cultura que nunca farão dinheiro.
"A poesia, por exemplo, nunca poderá contribuir para o PIB de Portugal. Justificar o valor das artes apenas em termos de contribuição económica é estreitar, inclusive, as opções de financiamento." Com a investigação científica, por exemplo, acontece qualquer coisa de semelhante. "Os cientistas não podem dizer "se nos derem tantos euros estaremos em condições de retribuir com o triplo", muito simplesmente, porque ninguém sabe quais serão os resultados das pesquisas a que se propõem."
Para justificar atenção e financiamentos, as narrativas que validam as artes e a cultura assentam, cada vez mais, em factores que lhe são exteriores: têm que ser fonte de sociabilização; ajudar os jovens a serem bons cidadãos; favorecer a participação cívica; alimentar o sentimento de pertença colectiva ou de orgulho social; ou contribuir para a regeneração urbana das cidades, ressuscitando zonas industriais. Mas também há quem rejeite este tipo de justificação instrumental, argumentando que as artes é o que os artistas fazem. Ou seja, que é inteiramente subjectiva.
Dialogar e persuadir
Um dos objectivos da iniciativa do Institute of Ideas é alargar a discussão à assistência, até porque nas últimas décadas parece ter-se acentuado a distância entre o público comum e as chamadas elites da política ou das artes. Do lado do público argumenta-se que a Academia tem dificuldade em comunicar complexidade de forma simples. Os académicos argumentam que os debates no espaço público são superficiais. "Existe um fosso", concorda Kennedy. "Isso vê-se na relação entre políticos e cidadãos, com os primeiros a utilizarem a linguagem da sedução, tentando atrair audiências. Mas também é verdade para as artes, com instituições culturais atrás das audiências, tornando o seu trabalho mais acessível."
O problema é se esta atitude não acarretará mais efeitos nocivos do que positivos. "É como se quem lidera, seja político ou director de um teatro nacional ou de uma galeria de arte, assumisse o fracasso da sua liderança", analisa Kennedy. Na sua versão, quem detém poder deve tentar convencer a opinião pública de que aquilo que programa vale a pena. Mas aquilo que se assiste hoje é algo completamente diverso. "O que é válido para si? Do que gosta? Queremos dar-lhe mais disso" - segundo Kennedy são estas as premissas pelas quais a maior parte dos organizadores culturais se rege na sua relação com o público, desistindo de argumentar, dialogar, persuadir. Ou seja, quem programa nem sempre consegue assegurar que os efeitos sociais e culturais da sua actuação correspondem de facto às suas escolhas e orientações culturais de base. "No século passado, intelectuais como Jean-Paul Sartre e cientistas como Einstein conseguiram estreitar o desnivelamento da linguagem existente entre o público e as chamadas elites, fazendo palestras em bares para pessoas comuns, por exemplo. Hoje não temos isso. As pessoas refugiam-se na especialização. Nas universidades utiliza-se uma linguagem considerada difícil. Não se traz o debate para a rua. Mas as ideias têm que ser debatidas abertamente."
E a Internet pode mudar isso? Kennedy não parece convencido. "Torna a comunicação mais rápida, mas não muda a sua qualidade. O que temos é comunicação mais rápida de má qualidade." A solução pode passar, então, por debater em conjunto, em locais como a Culturgest.
Cortesia de O Público
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