Uma mesa-redonda sobre o Futurismo português, no centenário da publicação do manifesto do movimento de Marinetti, marcou sábado passado a cerimónia de encerramento do 1º semestre dos cursos de Português que decorrem no Centro Cultural Português - Instituto Camões de Paris.
O texto escrito pelo poeta italiano Filippo Tommaso Marinetti, e publicado no jornal francês Le Fígaro, a 20 de Fevereiro de 1909, estabeleceu uma ruptura com os modelos tradicionais da expressão artística.
O impacto deste movimento nas letras e nas artes portuguesas foi abordado por José Manuel Esteves, José Salgado e Pierre Léglise-Costa.
José Manuel Esteves, titular da cátedra Lindley Cintra na Universidade Paris Ouest-Nanterre La Defense, definiu o Futurismo como um movimento literário e artístico ao qual se ligaram várias escolas de arte de vanguarda, os famosos 'ismos' do início do século, balizadas entre 1909 e 1925.
O professor universitário, que evocou os princípios defendidos por Marinetti e fez uma breve apresentação de ‘Orpheu' como «um texto preocupado», situou o modernismo português num contexto europeu mais vasto ao nível da literatura e de outras artes, de modo a mostrar o cosmopolitismo dos seus agentes.
Sublinhou ainda a vitalidade dessa geração, através da profusão de revistas, como ‘Exílio', ‘Centauro', ‘Icaro', ‘Contemporânea', ‘Sudoeste', ‘Athena' e, em particular, ‘Portugal Futurista' (1917) da qual leu extractos do Ultimatum Futurista às Gerações Portuguesas do Século XX, de Almada Negreiros, assim como do manifesto Anti-Dantas do mesmo autor.
José Manuel Salgado, leitor na Universidade de Paris IV/Sorbonne falou sobre o impacto do movimento futurista na literatura portuguesa.
Identificou dois modelos de adesão ao Futurismo literário no contexto português: um modelo mais ortodoxo, exemplificado na fase inicial da obra de Almada Negreiros, e outro modelo, menos programático, mais heterodoxo, que incorpora influências do ideário futurista, mas que transcende o carácter programático desse movimento, criando obras de dimensão mais intemporal e universal.
Esta tendência, considerou, encontraria a sua expressão máxima no sensacionismo futurista da Ode Triunfal de Álvaro de Campos, da qual foram lidos alguns excertos.
Pierre Léglise-Costa, docente da Universidade de Paris VIII, crítico e tradutor de Fernando Pessoa para francês, falou por seu lado de Santa Rita Pintor que, em Paris, conheceu directamente as obras dos pintores futuristas italianos, tais como Balla e Boccioni, e tentou criar a partir de 1914 em Lisboa um movimento pictórico futurista.
Antes de morrer em 1918 com a gripe espanhola, Santa Rita Pintor mandou queimar todas as obras. Só restaram um auto-retrato, aliás, de facto, «assaz futurista», segundo Léglise-Costa, e um Orfeu no Inferno, mostrado uma única vez em público na exposição Pessoa na Europália 1991.
O pintor português participou também na ‘Revista Futurista', na qual entraram os dois outros artistas que se podem considerar ligados mais ou menos ao movimento futurista, segundo o docente francês.
Amadeo de Souza-Cardoso, afirmou, também vivia em Paris no começo do século XX até à sua participação na célebre exposição do Armory Show, em Nova Iorque (1913).
Conheceu pois, segundo Léglise-Costa, todos os movimentos vanguardistas da época, entre os quais o Futurismo. Certos quadros com as suas rupturas rítmicas, a escansão dos ângulos e triângulos e a repetição das formas estão ligados ao futurismo à maneira de Balla, referiu.
Mas é evidente, no dizer do docente universitário francês, que a influência do cubismo (exposição capital de 1911 em Paris), do trabalho dos Delaunay (os prismas luminosos solares de Robert Delaunay, por exemplo) e das colagens vão-se sintetizar no trabalho de Souza Cardoso com mais maturidade.
Léglise-Costa assinala também um paralelo com Fernand Léger (por exemplo o homem mecânico e a tela sem profundidade, mostrando vários objectos num mesmo plano).
O terceiro artista «indiscutivelmente» ligado ao movimento futurista foi, no dizer de Léglise-Costa, José de Almada Negreiros, com os seus happenings públicos, os seus "Ultimatos", a sua participação nas revistas ‘Orpheu' e ‘Futurista' e igualmente certos quadros da época que denotam sobretudo uma influência de Picasso (como o auto-retrato de 1917).
Estes pintores portugueses operam uma síntese entre várias correntes às quais juntam um «toque» português único, segundo o crítico francês.
Após a mesa-redonda, a directora do Centro Cultural Português/IC, Fátima Ramos, procedeu à distribuição dos certificados e diplomas aos alunos de Língua Portuguesa.
Cortesia de IC
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