Organizado pelo British Council, teve lugar em Berlim, entre os dias 11 e 14 deste mês, um seminário literário designado “Our Shared Europe”. O propósito do encontro foi particularmente interessante e visou problematizar e reflectir sobre a relação entre a expressão literária e o vaivém identitário que a Europa hoje em dia respira.
Os escritores convidados corresponderam a esta topografia imaginária que pressupõe o convívio entre heranças tão ricas quanto diversas. A começar pela “chair”, a escritora Ahdar Soueif, que partilha a literatura inglesa e egípcia, escrevendo em ambas as línguas - o Inglês e o Árabe - como quem partilha vários oceanos no mesmo mar. O mesmo se passou com os restantes escritores do painel principal. Foi o caso de Robin Yassin-Kassab, meio inglês meio sírio, e de Jamal Mahjoub, meio sudanês meio inglês. Já Inaam Kachachi, uma iraquiana que veio viver para Paris em 1979, deu a ver, ao longo das suas apaixonadas intervenções, como divide o seu mundo literário entre a imagem de um país que já não existe (o seu dos tempos pré-Saddam) e uma mundivivência cosmopolita e memorial.
A proposta “Our Shared Europe” do British Council está enraizada num conceito estimulante, o de ‘common ground’. Nas discussões de Berlim, este conceito surgiu como um espaço dissociado de alguns dos actuais estigmas ‘multicult’. Ao fim e ao cabo, o ‘common ground’ é um espaço aberto que escapa a origens e devires fixos e que tenderá a revelar cada vez mais uma Europa em que as identidades fechadas deram lugar a um novo tipo de uma mobilidade (no seu sentido mais lato: física, experimental, imaginária). O ‘common ground’ é uma espécie de ‘espaço público mediatizado’, na acepção de Dominique Wolton*, onde os mais diversos tipos expressivos, estéticos ou não, deverão ser enunciados com idênticas oportunidades e sem quaisquer constrangimentos.
Há década e meia, mais concretamente em 1996, o semiótico australiano A. Mchoul** caracterizou a noção de comunidade – ou de ‘being-in-common’ como então lhe chamou – de acordo com a ideia de uma história policentrada, livre de estruturas fixas e aliada a uma espacialidade dispersa e não centrada territorialmente. Dissociando-se de uma ideia de cultura baseada apenas na linearidade da história e na pertença geográfica, McHoul não estaria longe deste “common ground”. Afinal, o que se pretendeu no debate de Berlim foi confrontar novos tipos de literatura e de fusão criativa com um ‘being-in-common’ europeu necessariamente aberto e sobretudo vocacionado para fazer corresponder a diferença à normalidade mais evidente e rica do nosso tempo.
O benefício da diferença e a incorporação do ‘outro’ no ‘mesmo’, ao nível literário e do vivido, constituem os nortes da desafiadora proposta do British Council que, em breve, promoverá em Portugal uma iniciativa deste seu projecto “Our Shared Europe”.
**Dominique Wolton, As contradições do espaço público mediatizado em Revista de Comunicação e Linguagens, Nºs 21/22 (Org. Mário Mesquita), Edições Cosmos, Lisboa, pp. 167-188.
**A.McHoul, Semiotic Investigations -Towards na Effective Semiotics,Un.of Nebraska Press, Lincoln & London, 1996, pp. 47-53 e 57-64.
Por Luis Carmelo
Cortesia de PNETLiteratura
Os escritores convidados corresponderam a esta topografia imaginária que pressupõe o convívio entre heranças tão ricas quanto diversas. A começar pela “chair”, a escritora Ahdar Soueif, que partilha a literatura inglesa e egípcia, escrevendo em ambas as línguas - o Inglês e o Árabe - como quem partilha vários oceanos no mesmo mar. O mesmo se passou com os restantes escritores do painel principal. Foi o caso de Robin Yassin-Kassab, meio inglês meio sírio, e de Jamal Mahjoub, meio sudanês meio inglês. Já Inaam Kachachi, uma iraquiana que veio viver para Paris em 1979, deu a ver, ao longo das suas apaixonadas intervenções, como divide o seu mundo literário entre a imagem de um país que já não existe (o seu dos tempos pré-Saddam) e uma mundivivência cosmopolita e memorial.
A proposta “Our Shared Europe” do British Council está enraizada num conceito estimulante, o de ‘common ground’. Nas discussões de Berlim, este conceito surgiu como um espaço dissociado de alguns dos actuais estigmas ‘multicult’. Ao fim e ao cabo, o ‘common ground’ é um espaço aberto que escapa a origens e devires fixos e que tenderá a revelar cada vez mais uma Europa em que as identidades fechadas deram lugar a um novo tipo de uma mobilidade (no seu sentido mais lato: física, experimental, imaginária). O ‘common ground’ é uma espécie de ‘espaço público mediatizado’, na acepção de Dominique Wolton*, onde os mais diversos tipos expressivos, estéticos ou não, deverão ser enunciados com idênticas oportunidades e sem quaisquer constrangimentos.
Há década e meia, mais concretamente em 1996, o semiótico australiano A. Mchoul** caracterizou a noção de comunidade – ou de ‘being-in-common’ como então lhe chamou – de acordo com a ideia de uma história policentrada, livre de estruturas fixas e aliada a uma espacialidade dispersa e não centrada territorialmente. Dissociando-se de uma ideia de cultura baseada apenas na linearidade da história e na pertença geográfica, McHoul não estaria longe deste “common ground”. Afinal, o que se pretendeu no debate de Berlim foi confrontar novos tipos de literatura e de fusão criativa com um ‘being-in-common’ europeu necessariamente aberto e sobretudo vocacionado para fazer corresponder a diferença à normalidade mais evidente e rica do nosso tempo.
O benefício da diferença e a incorporação do ‘outro’ no ‘mesmo’, ao nível literário e do vivido, constituem os nortes da desafiadora proposta do British Council que, em breve, promoverá em Portugal uma iniciativa deste seu projecto “Our Shared Europe”.
**Dominique Wolton, As contradições do espaço público mediatizado em Revista de Comunicação e Linguagens, Nºs 21/22 (Org. Mário Mesquita), Edições Cosmos, Lisboa, pp. 167-188.
**A.McHoul, Semiotic Investigations -Towards na Effective Semiotics,Un.of Nebraska Press, Lincoln & London, 1996, pp. 47-53 e 57-64.
Por Luis Carmelo
Cortesia de PNETLiteratura
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