Conto de Inverno
A luz do vento entre os pinheiros, - compreendo
estes sinais de tristeza incandescente?
Um enforcado balança-se na árvore marcada com a cruz lilás.
Até que conseguiu deslizar fora do meu sonho e
entrar no meu quarto pela janela, com a cumplicidade
do vento da meia noite.
Não, as palavras não fazem amor
Não, as palavras não fazem amor
fazem ausência
Se digo água, beberei?
Se digo pão, comerei?
Infância
Hora em que a erva cresce
na memoria do cavalo.
O vento pronuncia discursos ingénuos
em honra dos lilazes,
e alguém entra na morte
com os olhos abertos
como Alice no país do já visto.
Caminhos do Espelho
I
E sobretudo olhar com inocência. Como se nada se passasse, o que é certo.
II
Mas a ti quero olhar-te até estares longe do meu medo, como um pássaro no limite afiado da noite.
III
Como uma menina de giz cor-de-rosa num muro muito velho subitamente esbatida pela chuva.
IV
Como quando se abre uma flor e revela o coração que não tem.
V
Todos os gestos do meu corpo e voz para fazer de mim a oferenda, o ramo que o vento abandona no umbral.
VI
Cobre a memória da tua cara com a máscara daquela que serás e afugenta a menina que foste.
VII
A nossa noite dispersou-se com a neblina. É a estação dos alimentos frios.
VIII
E a sede, a minha memória é da sede, eu em baixo, no fundo, no poço, bebia, recordo.
IX
Cair como um animal ferido no lugar de hipotéticas revelações.
X
Como quem não quer a coisa. Nenhuma coisa. Boca cosida. Pálpebras cosidas. Esqueci-me. Dentro o vento. Tudo fechado e o vento dentro.
XI
Sob o negro sol do silêncio douravam-se as palavras.
XII
Mas o silêncio é certo. Por isso escrevo. Estou só e escrevo. Não, não estou só. Há alguém aqui que treme.
XIII
Ainda que diga sol e lua e estrelas refiro-me a coisas que me acontecem.
E o que desejava eu?
Desejava um silêncio perfeito.
Por isso falo.
XIV
A noite parece um grito de lobo.
XV
Delícia de perder-se na imagem pressentida. Levantei-me do meu cadáver, fui à procura de quem sou. Peregrina, avancei em direcção àquela que dorme num país ao vento.
XVI
A minha queda sem fim na minha queda sem fim onde ninguém me esperava pois ao descobrir quem me esperava outra não vi senão a mim mesma.
XVII
Algo caía no silêncio. A minha última palavra foi eu embora me referisse à aurora luminosa.
XVIII
Flores amarelas constelam um círculo de terra azul. A água treme cheia de vento.
XIX
Deslumbramento do dia, pássaros amarelos na manhã. Uma mão desata as trevas, arrasta a cabeleira da afogada que não cessa de passar pelo espelho. Voltar à memória do corpo, hei-de regressar aos meus ossos de luto, hei-de compreender o que a minha voz diz.
A Jaula
Lá fora há sol.
Não é mais que um sol
porém os homens olham-no
e depois cantam.
Eu não sei do sol.
Eu sei a melodia do anjo
e o sermão quente
do último vento.
Sei gritar até de manhã
quando a morte pousa nua
na minha sombra.
Eu choro debaixo do meu nome.
Eu agito lenços na noite e barcos sedentos de realidade
dançam comigo.
Eu oculto cravos
para escarnecer dos meus sonhos enfermos.
Lá fora há sol.
Eu visto-me de cinzas.
PEQUENA BIOGRAFIA
Alejandra Pizarnik nasceu em Buenos Aires, a 29 de Abril de 1936. A sua família era de origem judaica russa. Estudou filosofia e letras na Universidade de Buenos Aires e posteriormente pintura com Juan Batlle Planas. De 1960 a 1964, viveu em Paris onde estudou história da religião e literatura francesa na Sorbonne. Publicou poemas e críticas em vários jornais franceses. Traduziu Antonin Artaud, Henri Michaux, Margueritte Duras e Yves Bonnefoy. As suas principais obras de poesia são Los trabajos y las noches, Extracción de la piedra de locura, El infierno musical, La Última Inocência. Suicidou-se no dia 25 de Setembro de 1972, durante um fim-de-semana que passou fora da clínica psiquiátrica onde estava internada. Textos de Sombra y Últimos Poemas foi publicado em 1982. Em Portugal, a editora Correio dos navios, publicou Antologia Poética, edição bilingue em 2002.
Cortesia de Um Buraco na Sombra
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