Foi com a chegada da reforma que descobriu um talento escondido: a escrita. E aos 93 anos viu alguns dos seus versos compilados num livro e apresentado publicamente pela Câmara de Valpaços.
Adriana Reis faz bainhas abertas "como poucas pessoas". E borda com a mesma perfeição. Agradece-o à mãe. Há muitos anos, quando Adriana era ainda uma adolescente, a mãe pô-la a aprender a arte numa costureira. Pagava, então, 30 escudos por mês. Era, por assim dizer, uma menina de bem, numa altura em que havia muita pobreza no concelho de Valpaços. Ou, como gosta de lembrar, "uma menina criada com muitos mimos". Mas, quando casou, aos 17 anos, a vida mudou. Havia que "governar" a casa e criar os filhos, que foram chegando. Quatro.
Trabalhou quanto pôde. Teve uma venda de frangos vivos, durante quase 30 anos, e fartou-se de fazer alheiras para vender. Mas foi com a chegada da reforma que acabou por descobrir um talento escondido: a escrita.
"Aborrecia-me e deu-me para começar a escrever...", recorda. No passado sábado, dia 15, e aos 93 anos, Adriana Reis viu alguns dos seus versos compilados num livro. A obra foi publicada pela Câmara Municipal de Valpaços, no âmbito de um projecto da autarquia destinado a ocupar os tempos livres de idosos: o "Afectos". O livro, explicou Sousa Maia, o pintor valpacense que o apresentou, é "simples" , "sem ambições eruditas" e deixa para "segundo plano" questões de rima e ou de métrica. Mas, realçou, é "genuíno" e um "retrato da mulher transmontana: simples, natural, sem sofisticação, forte, destemida...".
Adriana Reis não cabia em si de contente. De emoção. "Eu nunca pensei que me faziam uma coisa assim! Nunca me passou pela cabeça! Pensei que me entregavam o livro e pronto", dizia, antes de tomar lugar na mesa, colocada no palco do auditório do parque de exposições de Valpaços, onde decorreu a cerimónia.
A plateia estava repleta. Utentes do projecto da Câmara Municipal em que Adriana Reis também está envolvida e que completou um ano de existência. Mas, apesar da emoção, Adriana dizia-se calma. "Foge-me o que hei-de dizer, mas alguma coisa há-de sair", dizia, arrematando, logo de seguida, com o verso: "Eu tenho muito que contar/ Tenho muito que dizer/Tenho 93 anos/E 94 espero fazer".
Já na mesa, e quando chegou a sua vez da falar, saiu-lhe a "Balada da neve", de Augusto Gil. De fio a pavio. "Ó dona Adrianinha, então há bocado não nos disse um dos seus poemas? Aquele era do Augusto Gil!", brincava, abraçado à idosa, o presidente da Câmara de Valpaços, Francisco Tavares.
"É, é. Aprendi-o na escola", justificava Adriana Reis, ao descer do palco. Os colegas dava-lhe os parabéns. "Eu nunca pensei, nunca pensei...", repetia, com as lágrimas nos olhos.
Cortesia de JN
Sem comentários:
Enviar um comentário