POEMAS
AOS LEITORES
Aqui é minha casa. Ali ficam o sol e o jardim
[ com colméias.
Vocês vêm pela trilha, olham da porta por entre
[ as grades
e esperam que eu fale. ... Por onde começar?
Creiam em mim, creiam em mim,
sobre seja o que for pode-se falar quanto se
[ queira:
sobre o destino e sobre a serpente do bem,
sobre os arcanjos que lavram com o arado
os jardins do homem,
sobre o céu para onde crescemos,
sobre o ódio e a queda, tristezas e crucifixões
e acima de tudo sobre a grande travessia.
Mas as palavras são as lágrimas de quem teria
[ desejado
tanto chorar e não pôde.
São tão amargas as palavras todas,
por isso... deixem-me
passar mudo por entre vocês,
sair à rua de olhos fechados.
de Îm Marea Trecere (A Grande Travessia), 1924
DE PROFUNDIS
Mais um ano, um dia, um instante —
e as vias que via adiante
Somem, de sob meu passo errante.
Mais um ano, um sonho, outro sono —
e sob a terra serei dono
dos ossos que dormem em torno.
de Poezii (Poemas)
MELANCOLIA
Um vento só seca suas lágrimas frias
nas janelas. Chove.
Tristezas vagas me assolam, porém toda
a dor,
que sinto, não sinto, em mim,
no coração,
no peito,
mas sim nas gotas de chuva que escorrem.
E enxertado com minha vida o mundo imenso
com seu outono e sua noite
dói em mim como uma chaga.
Para os montes passam nuvens com úberes
[ cheios.
E chove.
de Poemele Luminii (Os Poemas da Luz), 1919
NA GRANDE TRAVESSIA
O sol no zênite sustém a balança do dia.
O céu se concede às águas embaixo.
Com olhos ajuizados as bestas na travessia
Observam sem medo suas sombras no leito.
A folhagem se arca profundamente
na direção de toda uma lenda.
Nada, do que é, tenta ser diferente.
Somente meu sangue grita pelos campos
atrás de sua infância longínqua,
como um velho cervo
atrás de sua corça perdida na morte.
Talvez tenha perecido sob os rochedos.
Talvez tenha mergulhado na terra.
Em vão espero notícias suas,
somente ressoam as cavernas,
riachos buscam as profundezas.
Sangue sem resposta,
ah, houvesse silêncio, quão bem se ouviria
a corça calcando a morte.
Ainda mais longe cambaleio pela trilha —
e, como um assassino que sela com um lenço
uma boca vencida,
fecho com o punho todas as fontes.
Que se calem para sempre
para sempre.
de Îm Marea Trecere (A Grande Travessia), 1924
A LUZ DE ONTEM
Procuro, não sei o que procuro. Procuro
um céu passado, a véspera extinta. Meu rosto
vai tão baixo, que antes nos céus ia posto!
Procuro, não sei o que procuro. Procuro
auroras idas, que jorravam, inflamadas
fontes — hoje com águas presas derrotadas.
Procuro, não sei o que procuro. Procuro
a grande hora que em mim restou sem figura
como em um cântaro morto um fim de abertura.
Procuro, não sei o que procuro. Sob estrelas de
[ ontem,
sob as que passaram, procuro
a luz apagada que ainda enalteço.
de La cumpăna apelor (No Divisor de Águas), 1933
A SAUDADE
Sedento bebo teu perfume e seguro teu rosto
com ambas as mãos, como quem segura
na alma um milagre.
Queima-nos a proximidade, olhos nos olhos,
[ como estamos.
E contudo me sussurras: "Tenho tanta saudade
[ de ti!"
Falas tão misteriosa e desejosa, como se eu
[ estivesse
exilado em outro mundo.
Mulher.
que mares levas no peito, e quem és?
Canta ainda uma vez mais tua saudade,
por que te ouça
e os instantes me pareçam botões prenhes
de que florescessem de fato... eternidades.
de Poemele Luminii (Os Poemas da Luz), 1919
PEQUENA BIOGRAFIA
Lucian Blaga poeta, filósofo, tradutor, dramaturgo e diplomata, nasceu em 1895 in Lancrăm, na Roménia. È um dos principais nomes da literatura Romena do século XX. Escreveu quase quarenta livros, mais de uma dezena dos quais de filosofia. Seu primeiro livro de poesia, Os Poemas da Luz, foi publicado em 1919. Seguiu-se Os Passos do Profeta, de 1921. A sua principal obra filosófica está reunido em três trilogias: Trilogia do Conhecimento, de 1943; Trilogia da Cultura, de1944; e Trilogia dos Valores, de 1946. Foi embaixador da Romênia em Portugal, entre 1938 e 1939. Em 1948, já na vigência do regime pró-soviético na Roménia, foi demitido de sua posição de professor universitário e "arrumado" como bibliotecário do instituto histórico. Até 1960, só publicou traduções, sendo proibidos títulos de sua própria lavra. Morreu em 1961, marginalizado e perseguido pelo regime ditatorial Romeno.
Micaela Ghitescu traduziu para português parte da obra poética da Lucian Blaga, integrando a antologia intitulada Nas Cortes da Saudade, escrito durante a estadia do poeta em Portugal e publicada em maio de 1999 pela Editora Minerva de Coimbra.
Cortesia de Um Buraco na Sombra
AOS LEITORES
Aqui é minha casa. Ali ficam o sol e o jardim
[ com colméias.
Vocês vêm pela trilha, olham da porta por entre
[ as grades
e esperam que eu fale. ... Por onde começar?
Creiam em mim, creiam em mim,
sobre seja o que for pode-se falar quanto se
[ queira:
sobre o destino e sobre a serpente do bem,
sobre os arcanjos que lavram com o arado
os jardins do homem,
sobre o céu para onde crescemos,
sobre o ódio e a queda, tristezas e crucifixões
e acima de tudo sobre a grande travessia.
Mas as palavras são as lágrimas de quem teria
[ desejado
tanto chorar e não pôde.
São tão amargas as palavras todas,
por isso... deixem-me
passar mudo por entre vocês,
sair à rua de olhos fechados.
de Îm Marea Trecere (A Grande Travessia), 1924
DE PROFUNDIS
Mais um ano, um dia, um instante —
e as vias que via adiante
Somem, de sob meu passo errante.
Mais um ano, um sonho, outro sono —
e sob a terra serei dono
dos ossos que dormem em torno.
de Poezii (Poemas)
MELANCOLIA
Um vento só seca suas lágrimas frias
nas janelas. Chove.
Tristezas vagas me assolam, porém toda
a dor,
que sinto, não sinto, em mim,
no coração,
no peito,
mas sim nas gotas de chuva que escorrem.
E enxertado com minha vida o mundo imenso
com seu outono e sua noite
dói em mim como uma chaga.
Para os montes passam nuvens com úberes
[ cheios.
E chove.
de Poemele Luminii (Os Poemas da Luz), 1919
NA GRANDE TRAVESSIA
O sol no zênite sustém a balança do dia.
O céu se concede às águas embaixo.
Com olhos ajuizados as bestas na travessia
Observam sem medo suas sombras no leito.
A folhagem se arca profundamente
na direção de toda uma lenda.
Nada, do que é, tenta ser diferente.
Somente meu sangue grita pelos campos
atrás de sua infância longínqua,
como um velho cervo
atrás de sua corça perdida na morte.
Talvez tenha perecido sob os rochedos.
Talvez tenha mergulhado na terra.
Em vão espero notícias suas,
somente ressoam as cavernas,
riachos buscam as profundezas.
Sangue sem resposta,
ah, houvesse silêncio, quão bem se ouviria
a corça calcando a morte.
Ainda mais longe cambaleio pela trilha —
e, como um assassino que sela com um lenço
uma boca vencida,
fecho com o punho todas as fontes.
Que se calem para sempre
para sempre.
de Îm Marea Trecere (A Grande Travessia), 1924
A LUZ DE ONTEM
Procuro, não sei o que procuro. Procuro
um céu passado, a véspera extinta. Meu rosto
vai tão baixo, que antes nos céus ia posto!
Procuro, não sei o que procuro. Procuro
auroras idas, que jorravam, inflamadas
fontes — hoje com águas presas derrotadas.
Procuro, não sei o que procuro. Procuro
a grande hora que em mim restou sem figura
como em um cântaro morto um fim de abertura.
Procuro, não sei o que procuro. Sob estrelas de
[ ontem,
sob as que passaram, procuro
a luz apagada que ainda enalteço.
de La cumpăna apelor (No Divisor de Águas), 1933
A SAUDADE
Sedento bebo teu perfume e seguro teu rosto
com ambas as mãos, como quem segura
na alma um milagre.
Queima-nos a proximidade, olhos nos olhos,
[ como estamos.
E contudo me sussurras: "Tenho tanta saudade
[ de ti!"
Falas tão misteriosa e desejosa, como se eu
[ estivesse
exilado em outro mundo.
Mulher.
que mares levas no peito, e quem és?
Canta ainda uma vez mais tua saudade,
por que te ouça
e os instantes me pareçam botões prenhes
de que florescessem de fato... eternidades.
de Poemele Luminii (Os Poemas da Luz), 1919
PEQUENA BIOGRAFIA
Lucian Blaga poeta, filósofo, tradutor, dramaturgo e diplomata, nasceu em 1895 in Lancrăm, na Roménia. È um dos principais nomes da literatura Romena do século XX. Escreveu quase quarenta livros, mais de uma dezena dos quais de filosofia. Seu primeiro livro de poesia, Os Poemas da Luz, foi publicado em 1919. Seguiu-se Os Passos do Profeta, de 1921. A sua principal obra filosófica está reunido em três trilogias: Trilogia do Conhecimento, de 1943; Trilogia da Cultura, de1944; e Trilogia dos Valores, de 1946. Foi embaixador da Romênia em Portugal, entre 1938 e 1939. Em 1948, já na vigência do regime pró-soviético na Roménia, foi demitido de sua posição de professor universitário e "arrumado" como bibliotecário do instituto histórico. Até 1960, só publicou traduções, sendo proibidos títulos de sua própria lavra. Morreu em 1961, marginalizado e perseguido pelo regime ditatorial Romeno.
Micaela Ghitescu traduziu para português parte da obra poética da Lucian Blaga, integrando a antologia intitulada Nas Cortes da Saudade, escrito durante a estadia do poeta em Portugal e publicada em maio de 1999 pela Editora Minerva de Coimbra.
Cortesia de Um Buraco na Sombra
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